segunda-feira, 19 de novembro de 2012

O teólogo responde: o que é LUXÚRIA?


O que é a LUXÚRIA?



Royo Marín: No nosso livro no CAPITULO II: Respeitar seu corpo; Ao abordar esta matéria tão áspera e suja, acreditam oportuno recolher a muito prudente advertência com que São Alfonso do Ligório começa a explicação da mesma:
«Agora vamos tratar, com desgosto, daquela matéria cujo só o nome infecciona a mente dos homens... !Oxalá mais breve e mais obscuramente pudesse me explicar! Mas, como esta seja a mais freqüente e mais abundante matéria das confissões e pela que maior número de almas caem no inferno—mais ainda: não vacilo em afirmar que por este só vício ou, ao menos, não sem ele se condenam todos os que se condenam—, daí que seja necessário, para instrução dos que desejam aprender a ciência moral, me explicar com clareza (embora da maneira mais casta possível) e discutir algumas coisas particulares».


Fiéis a esta ordem do grande santo e eminente moralista, vamos estudar esta matéria na forma mais breve e discreta possível, sem renunciar, não obstante, a informar ao leitor secular de tudo que precisa saber para formar sua própria consciência em torno destas questões.

Dividimos a matéria em dois artigos fundamentais: I.°, da luxúria em geral, e 2. °, das espécies de luxúria.

Noção de luxúria em geral: Em sentido amplo ou metafórico, a palavra luxúria designa qualquer luxo, excesso ou exuberância; e assim, por exemplo, de um campo muito fértil se diz que tem uma luxuriante vegetação. Mas no sentido próprio e estrito que aqui nos interessa se define: o apetite ou o uso desordenado do venéreo. Consiste principalmente no uso da faculdade generativa fora do matrimônio ou dentro dele contra suas leis.

A luxúria é um dos sete pecados capitais. Dela derivam outros muitos pecados, principalmente a cegueira da mente, precipitação, desconsideração, inconstância, amor desordenado de si mesmo, ódio a Deus, apego às coisas desta vida e horror à futura. Santo Tomás dedica um muito belo artigo a esta questão.

A divisão fundamental é a que distingue entre luxúria consumada, completa ou perfeita, e a não consumada, incompleta ou imperfeita, conforme chegue ou não até o orgasmo completo, com sua correspondente efusão seminal no varão ou de humores vaginais na mulher.
  • Consumada-a se subdivide em segundo a natureza, se dela pode segui-la geração de um novo ser, e contra a natureza, se de sua não é apta para a geração. refere-se sempre a atos externos e não pode dar-se nos meramente internos.
  • A não consumada pode ser interna e externa, conforme se refira tão somente a atos meramente internos ou a atos externos imperfeitos.
É preciso, acima de tudo, ter sempre à vista dois grandes princípios que informam toda esta questão, e que, bem compreendidos, resolvem sem mais toda a abundante e complicada casuística que pode expor-se em torno à luxúria, ei-los aqui com toda claridade e precisão:

Primeiro princípio:
A luxúria ou deleite venéreo, tanto a consumada ou perfeita como a não consumada ou imperfeita, DIRETAMENTE PROCURADA fora do legítimo matrimônio, é sempre pecado mortal e não admite diminuição de matéria.

Expliquemos, acima de tudo, os termos do princípio:

A LUXÚRIA ou DELEITE VENÉREO, ou seja, a própria e específica da geração humana, diferencia-se:

A. Do deleite puramente sensível, que é o produzido por um ato ou objeto prazeroso em si mesmo, mas não apto em si para excitar o prazer venéreo (v.gr., o aroma de uma rosa, a suavidade do veludo, o aprimoramento de um manjar, etc.).

B. Do deleite sensual, que é o produzido por um ato ou objeto que, embora não é propriamente venéreo em si mesmo, é apto, entretanto, para excitar a concupiscência da carne (v.gr., um beijo, um abraço, etc.). Nestes últimos terá pecado ou não segundo a intenção ou finalidade com que se façam.

TANTO A CONSUMADA ou PERFEITA, ou seja, a que chega a seu término natural pelo orgasmo e efusão seminal no varão ou de humores vaginais na mulher.

COMO A NÃO CONSUMADA ou IMPERFEITA, que se reduz a pensamentos, olhares, toques, etc., com intenção ou finalidade desonesta.

DIRETAMENTE PROCURADA, já seja por ter tentado voluntariamente obter o prazer venéreo completo ou incompleto, ou por ter mimado nele quando se produziu sem buscá-lo.

FORA DO LEGÍTIMO MATRIMÔNIO, ou seja, fora dos atos ordenados de sua à geração humana dentro do legítimo matrimônio.

É SEMPRE PECADO MORTAL, não só por estar grave e expressamente proibida Por Deus, mas sim por ser uma coisa de sua natureza intrinsecamente má.

E NÃO ADMITE DIMINUIÇÃO DE MATÉRIA, ou seja, que, por insignificante que seja o ato desordenado (v.gr., um simples movimento carnal), é sempre pecado mortal quando através dele se busca diretamente o prazer venéreo. Só pode dar o pecado venial por imperfeição do ato humano, ou seja, por falta da suficiente advertência ou de pleno consentimento.

Vejamos agora a prova teológica do princípio:
a) PELA SAGRADA ESCRITURA. São inumeráveis os textos. Eis aqui alguns dos mais conhecidos:

«Não adulterará» (Ex. 20,14).

«Todo aquele que olha a uma mulher desejando-a, já adulterou com ela em seu coração» (MT. 5,28).

«Não lhes enganem: nem os fornicadores, nem os idólatras, nem os adúlteros, nem os efeminados, nem os sodomitas... possuirão o reino de Deus» (1 Cor. 6,9-1o).

«Agora bem: as obras da carne são manifestas, ou seja: fornicação, impureza, lascívia... e outras como estas, das quais lhes previno, como antes o fiz, que quem tais coisas fazem não herdarão o reino de Deus» (Gal. 5,19-21).

«Pois têm que saber que nenhum fornicador ou impuro... terá parte na herdade do reino de Cristo e de Deus» (Eph. 5,5).

Como se vê, os textos não podem ser mais claros e categóricos. trata-se da exclusão do reino dos céus, que corresponde ao pecado grave ou mortal; e afeta não só aos atos consumados ou perfeitos (fornicação, adultério), mas sim inclusive aos não consumados ou imperfeitos: basta um simples olhar mal ntencionado, como declara o mesmo Cristo no Evangelho (MT. 5,z8).

b) PELO MAGISTÉRIO DA IGREJA. A Igreja (Aelxandre VII) condenou, ao menos como escandalosa, a seguinte proposição:

«É opinião provável a que diz ser somente pecado venial o beijo que se dá pelo deleite carnal e sensível que do beijo se origina, excluído o perigo de ulterior consentimento e poluição» (D I140).

Agora bem: se um simples beijo dado com intenção carnal (luxúria imperfeita ou não consumada) é pecado grave, serão-o também outros atos de luxúria imperfeita, e a fortiori os de luxúria consumada ou perfeita.

c) PELA RAZÃO TEOLÓGICA. Todos os teólogos católicos estão de acordo em proclamar que a luxúria perfeita ou imperfeita é em si intrinsecamente má e não só porque está proibida Por Deus. A razão fundamental é porque o prazer venéreo o pôs Deus no ato da geração como estímulo para ela, dada sua necessidade imprescindível para a propagação do gênero humano. É, pois, um prazer cuja única e exclusiva razão de ser é o bem da espécie, não do indivíduo particular. Agora bem: utilizar esse agradar em proveito e utilidade própria fora de sua ordenação natural à geração em legítimo matrimônio é subverter a ordem natural das coisas, o qual é sempre intrinsecamente mal, porque se opõe ao que dispôs Deus, não só por uma lei positiva, mas também na natureza mesma das coisas; e como se trata de uma desordem grave, que afeta ao bem de toda a sociedade humana, sua infração voluntária e direta tem que constituir forçosamente um pecado mortal.

A esta razão fundamental podem acrescentar-se outras várias, principalmente para pôr de manifesto a ilegitimidade incluso dos atos imperfeitos. Porque:

1.° Tratando-se de matéria tão escorregadia, é quase impossível realizar o ato imperfeito sem expor-se a grave perigo de chegar até o perfeito; e, como é sabido, é pecado grave expor-se sem causa justificada—não o é nunca o desejo de satisfazer a própria sensualidade—a perigo próximo de pecado grave.

2º. É virtualmente impossível procurar o deleite venéreo incompleto sem que implicitamente se busque e queira o completo; porque, como adverte com fundamento Santo Tomás, a incógnita de uma coisa se ordena sempre a sua consumação»; de onde, que quer a incógnita, pelo mesmo quer implícita e necessariamente a consumação, da mesma maneira que o que quer um bem imperfeito o quer assim que tende de seu ao bem perfeito.

3º. O prazer venéreo que se obtém com a luxúria imperfeita se ordena também, por si, ao bem da espécie, já que é um aspecto parcial do estímulo natural para a geração posto no organismo humano pelo mesmo Autor da natureza. Logo utilizá-lo em proveito próprio fora daquela muito alta finalidade é subverter a ordem natural das coisas, e, pelo mesmo, é em si intrinsecamente mau.

Segundo princípio: A luxúria perfeita ou imperfeita, involuntária em si mesmo, mas INDIRETAMENTE PERMITIDA ao realizar uma ação em si indiferente, pode ser pecado grave, leve ou nenhum pecado, segundo as razões que se tiveram para realizar aquela ação e o comportamento observado ao produzir o prazer venéreo não procurado.

Expliquemos, acima de tudo, os termos do princípio:

A LUXÚRIA PERFEITA ou IMPERFEITA, no sentido já explicado.

INVOLUNTÁRIA em si mesmo, ou seja, não procurada nem tentada direta nem indiretamente em si mesmo.

MAS INDIRETAMENTE PERMITIDA. Não é o mesmo querer uma coisa que permiti-la indiretamente quando há justa causa para isso, de acordo com as leis do voluntário indireto. Tornaremos em seguida sobre isto.

AO REALIZAR UMA AÇÃO DE EM SI BOA ou INDIFERENTE; por exemplo, ao reconhecer a uma doente, ao estudar certas matérias necessárias de medicina ou moral, ao tomar um banho quente, etc. Se a ação excitante fora já de sua má (v.gr., a assistência a um espetáculo imoral), não poderia invocar-se ao voluntário indireto, já que uma de suas regras fundamentais é que se realize e tente exclusivamente uma ação boa, ainda que dela se siga indiretamente um efeito mau.

PODE SER PECADO GRAVE, LEVE ou NENHUM PECADO, na forma que explicaremos em seguida.

SEGUNDO AS RAZÕES QUE SE TIVERAM PARA REALIZAR AQUELA AÇÃO. É o aspecto mais importante do princípio, que explicaremos em seguida detalhadamente.

E O COMPORTAMENTO OBSERVADO AO PRODUZIR O PRAZER VENÉREO NÃO PROCURADO. É outro aspecto fundamental. Se, ao produzir o prazer não procurado, consente-se voluntária e perfeitamente nele, comete-se sempre pecado mortal, embora a causa excitante se tenha posto por graves razões e sem intenção alguma pecaminosa. Se o consentimento for imperfeito, comete-se pecado venial por imperfeição do ato humano. E se se rechaça totalmente o prazer, não se comete pecado algum, contanto que a causa excitante se pôs por razões gravemente proporcionadas segundo as leis do voluntário indireto.

Expliquemos agora com detalhe os dois pontos que ficaram sem explicar, ou seja, os relativos à classe do pecado que se comete segundo as razões que tenha havido para permitir o efeito desordenado que se segue ou pode seguir-se de uma causa em si boa ou indiferente. A questão não é tão fácil como a primeira vista pudesse parecer, e é preciso, para resolvê-la com acerto, estabelecer com toda claridade e precisão umas quantas distinções muito importantes.

1.a. Há ações que de dele (per se) são aptas para excitar a deleite venérea (v.gr., um olhar ou toque francamente obscenos); e outras que em si nada têm que ver com o prazer venéreo, mas poderiam lhe excitar indiretamente (per accidens); por exemplo, comer ou beber em demasia, montar a cavalo, tomar um banho quente, etc.

2.a Entre as primeiras—ou seja, as que operaram per se — terá as que atuam próxima e notavelmente no efeito desordenado, de sorte que sempre ou quase sempre se produz de fato (v.gr., a vista prolongada das partes desonestas de uma pessoa de diferente sexo, uma leitura muito obscena, etc.); e outras que só influem remota e levemente (v.gr., a vista ou conversação com uma pessoa de aparência agradável, estreitá-las mãos ao cumprimentar-se, etc.).

3.a Há ações que excitam próxima e notavelmente a certas pessoas (v.gr., aos jovens, aos de temperamento muito ardente e passional, etc.) que não causam impressão alguma, ou só muito leve, a outras pessoas (v.gr., de temperamento frio ou de idade muito avançada, etc.).

4.a Ao realizar uma ação em si boa ou indiferente que produz ou pode produzir um efeito mau, poderiam existir razões gravemente proporcionadas para realizá-la, ou razões insuficientes, ou nenhuma razão absolutamente.

Tendo em conta estes princípios, eis aqui as conclusões a que se deve chegar:

1.a. É PECADO MORTAL realizar sem grave razão uma ação boa ou indiferente que influa próxima e gravemente no prazer venéreo (já seja por si mesmo ou pela especial psicologia de uma pessoa determinada), embora em algum caso concreto não se seguisse de fato aquele prazer. A razão é porque não é lícito a ninguém, sem grave causa, expor-se a perigo próximo de pecar gravemente (cf. n.256).

Grave causa a tem, v.gr., o médico. que deve reconhecer ao doente, o estudante de medicina que deve aprender anatomia ou obstetria, o sacerdote que tem obrigação de estudar a moral ou de ouvir confissões acidentadas, etc. Nenhum destes pecaria se ao realizar esses estudos ou desempenhar suas funções profissionais experimentassem algum prazer desordenado, com tal, naturalmente, que rechaçassem absolutamente o voluntário consentimento do mesmo.

Tampouco pecaria por este capítulo o que por uma larga experiência soubesse com toda certeza que não lhe excita carnalmente alguma ação de si boa ou indiferente que para outros resulta gravemente provocadora. Mas, como é natural, esta frieza subjetiva não poderia invocar-se para legitimar uma ação de si mesma má (v.gr., a assistência a um espetáculo imoral), porque se pecaria, ao menos, por razão do escândalo e da cooperação ao mal.

2.a É PECADO VENIAL realizar sem justa causa uma ação que influi tão somente per accidens, ou de maneira leve e remota, no prazer venéreo não procurado nem tentado direta nem indiretamente (v.gr., algum excesso na comida ou bebida, a vista e conversação com uma pessoa muito bela, etc.). A razão é porque, embora estas ações influem tão somente e remotamente no prazer venéreo, que, além disso, não se busca nem se tenta, pôr essas causas sem razão alguma e por puro capricho não deixa de envolver certa desordem, ao menos de imprudência e temeridade. Entretanto, como esta desordem não afeta diretamente à luxúria (já que neste caso seria grave, porque, como já havemos dito, não se dá DIMINUIÇÃO de matéria na luxúria diretamente intencionada), constitui tão somente um pecado venial, com tal, naturalmente, de rechaçar o consentimento ao prazer desordenado que possa produzir-se inesperadamente.

3ª. Não É PECADO ALGUM realizar com justa causa (v.gr., por necessidade, educação, utilidade ou conveniência) as ações que acabamos de indicar no parágrafo anterior (ou seja, as que influem só per accidens ou leve e remotamente). E com grave causa (v.gr., o exercício profissional de médicos, enfermeiros, etc.) inclusive as do primeiro parágrafo (ou seja, as que influem próxima e gravemente), com tal de tomar toda espécie de precauções de rechaçar no ato o prazer se se produzir. Entretanto, se a causa fora de tal maneira excitante e a própria debilidade tão grande que se tivesse certeza moral de que se produzirá o prazer e de que não se terá a suficiente energia para rechaçar o consentimento, seria absolutamente ilícito pôr aquela causa, embora para isso tivesse o interessado que abandonar sua própria profissão ou emprego, já que nem sequer para salvar a própria vida ou a do próximo é lícito jamais expor-se a perigo certo ou virtualmente inevitável de pecado.

Com estes dois princípios que acabamos de expor, bem compreendidos e assimilados, pode resolver com acerto toda a muito abundante casuística que expõe a luxúria em todas suas manifestações completas ou incompletas. Tudo gira em torno destes dois pontos fundamentais:
I.°, a luxúria diretamente tentada fora do legítimo matrimônio é sempre pecado mortal, sem que admita DIMINUIÇÃO de matéria (um simples movimento carnal, um simples olhar ao corpo de uma pessoa, basta para pecar mortalmente se com isso se tenta diretamente e experimentar um prazer ou deleite venéreo);

e 2.°, a luxúria involuntária, mas prevista, será pecado grave, leve ou nenhum pecado, conforme tenha havido ou não raciocínio proporcionadas para permiti-la e se rechaçou ou não o consentimento ao prazer desordenado no momento de produzir-se.
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