Antonio Royo Marín, O.P.
II. OS PECADOS INTERNOS DA LUXÚRIA
597. Os
pecados internos de luxúria são três: os pensamentos impuros, os
desejos impuros e o gozo pelos pecados cometidos. O primeiro se refere
ao presente; o segundo, ao futuro, e o terceiro, ao passado.
Falamos que todos eles ao tratar dos pecados internos em geral e remetemos ao leitor a aquele outro lugar (cf. n.257-262).
Aqui
nos limitamos a recordar os dois princípios fundamentais que iluminam
toda esta questão, e que, bem aplicados, resolvem toda a ampla
casuística que possa apresentar-se na prática. São os seguintes:
1.0
O deleite desonesto interno diretamente procurado ou voluntariamente
aceito é sempre pecado mortal e não admite DIMINUIÇÃO de matéria.
Por
conseguinte, qualquer pensamento impuro, qualquer desejo impuro,
qualquer gozo pela lembrança de uma ação impura que se cometeu
anteriormente, é em si pecado mortal quando lhe adverte com toda
clareza e lhe consente ou aceita com plena vontade. Somente cabe o
pecado venial por imperfeição do ato (ou seja, por falta desta plena
advertência ou consentimento), mas não pela DIMINUIÇÃO de matéria quando
foi plenamente advertida e aceita.
Que
classe de pecado se comete e se recolher ou não as circunstâncias do
objeto sobre que recai (v.gr., a malícia do adultério, incesto, etc.),
explicamo-lo já ao falar dos pecados internos em geral (cf. n.257-262).
2.°
Não há nenhuma razão que possa autorizar jamais a permissão indireta de
atos internos de luxúria referentes ao futuro (desejos impuros) ou ao
passado (gozo ou aprovação dos atos impuros realizados), já que estes
são atos próprios da vontade que supõem a aceitação, ou consentimento ao
pecado. Mas com causa gravemente proporcionada (v. gr., o exercício
profissional do médico, sacerdote, estudante de medicina, etc.) é lícito
permitir que sobrevenham pensamentos desordenados, com tal de rechaçar
absolutamente o consentimento voluntário aos mesmos, já que é do todo
impossível evitá-los e não se contrai sua malícia do momento em que não
se buscam diretamente nem se consentem ao produzir-se.
IV. LUXÚRIA EXTERNA NÃO CONSUMADA
Para maior ordem e claridade dividimos esta matéria em duas partes:
A. Atos impudicos em geral.
B. Aplicações concretas.
A) Atos impudicos em geral
598. I. Noção. Em
geral se designam com o nome de atos impudicos aqueles que, sem ser
propriamente venéreos em si mesmos, relacionam-se, entretanto, com a
luxúria e influem nela mais ou menos diretamente. Tais são,
principalmente, olharess, toques, beijos, abraços, leituras, cantos ou
conversações perigosas, etc. A eles se reduzem também os bailes,
espetáculos, fotografias, etc., que sejam perigosos em si ou
relativamente à pessoa em questão.
599. 2. Malícia. Consiste
na aptidão natural que têm para excitar movimentos torpes que podem
conduzir até o deleite venéreo completo. Mas, em si mesmos, muitos deles
são indiferentes e podem realizar-se de tal forma que não envolvam
pecado algum e até que sejam inclusive louváveis (v.gr., o beijo
carinhoso dado à própria mãe).
Estes atos, em si indiferentes, convertem-se em impudicos e maus por um triplo capítulo :
Iº. PELO FIM COM QUE SE EXECUTAM. E neste sentido podem ser:
A. Pecado mortal, se se buscar e tenta com eles obter diretamente um prazer venéreo, embora seja muito pequeno e imperfeito.
B. Pecado
venial, se se fizerem unicamente por ligeireza, brincadeira,
curiosidade, etc., ou inclusive pelo prazer puramente sensível que com
eles pode experimentar-se (v. gr., na boca ao beijar), excluindo, de uma
vez, todo afeto ou deleite propriamente carnal (cf. D 1140) e o perigo
próximo de que se produza (coisa muito difícil na prática, sobre tudo se
se prolongam algum tempo).
C. Nenhum
pecado, se o fim for bom e se fazem por necessidade ou verdadeira
utilidade; e isso embora houvesse algum perigo de movimentos
desordenados, com tal, naturalmente, de não consentir neles se se
produzirem de fato. Mas quanto mais perigosos sejam em si mesmos, tanto
maior tem que ser a causa que os desculpe; e assim, v. gr., só os
médicos, praticantes, etc., têm razão suficiente para ver ou tocar,
quando é necessário, as partes íntimas do cliente.
2º. PELO INFLUXO NA COMOÇÃO VENÉREA. E assim serão:
a)
Pecado mortal, quando influem próxima e notavelmente em dita comoção e
se executam sem causa alguma ou de tudo insuficiente e desproporcionada.
As aplicações são variadísimas: olhares, toques, beijos, baile,
espetáculos, fotografias, praias, etc., etc., quando influírem nessa
forma próxima e notável e se executam sem grave causa e sem as devidas
precauções.
b)
Pecado venial, quando ficam sem razão suficiente, mas influem tão
somente remota ou levemente (v.gr., alguma piada um pouco obscena, um
beijo rápido na testa ou na bochecha, um espetáculo um pouco atrevido,
mas não imoral, etc.), e não se teve má intenção, nem se produziu grave
escândalo, nem se consentiu em nenhum pensamento ou afeto torpe.
c)
Nenhum pecado, quando influem tão somente remota ou levemente e houve,
além disso, alguma razão de verdadeira utilidade ou conveniência para
isso (v.gr, por educação, amizade, afeto familiar, etc.), excluído
sempre o consentimento aos movimentos torpes que possam surgir.
3º. PELA FRAGILIDADE ESPECIAL DO AGENTE ou POR RAZÃO DE ESCÂNDALO. Pode
ocorrer, em efeito, que algum desses atos que de ordinário influem tão
somente remota ou levemente na maior parte da gente, afetem, entretanto,
próxima e notavelmente a uma pessoa extraordinariamente frágil e
propensa à sensualidade, em cujo caso deve evitar, ao menos até que se
serene e normalize, aquelas coisas que outras pessoas mais normais se
podem permitir sem pecado. Diga-o mesmo por razão do escândalo que pode
produzir-se (v. gr., vendo um sacerdote em um espetáculo impróprio para
ele, embora não levasse por sua parte nenhuma má intenção ao assistir).
B) Aplicações concretas
Para
ilustrar melhor os princípios que acabamos de expor, vamos aplicá-los a
alguns casos concretos e particulares, advertindo, não obstante, que
estas aplicações valem unicamente em termos gerais e segundo o que está
acostumado a ocorrer ordinariamente; mas na prática terá que ter sempre
em conta o conjunto de circunstâncias, principalmente a intenção ou
finalidade do agente, as razões que existam para expor-se a algum
perigo, sua maior ou menor periculosidade em ordem a suas disposições
subjetivas e o escândalo que possivelmente possa dar-se com uma ação
acaso lícita em si mesmo ou para outros.
Feitas estas condições, eis aqui o que se pode concluir em termos gerais:
600. 1º. Olhares e toques.
a)
Será ordinariamente pecado mortal olhar ou tocar sem causa grave (como a
tem o médico, cirurgião, etc.) as partes desonestas de outras pessoas,
sobre tudo se forem de diversos sexo, e até do mesmo se se tiver
inclinação desviada para ele. Diga-o mesmo com relação às mulheres nos
peitos.
b)
Pode ser simplesmente venial olhar ou tocar as próprias partes
unicamente por ligeireza, curiosidade, etc., excluída toda intenção
venérea ou sensual e todo perigo próximo de excitar nelas movimentos
desordenados. Não é pecado algum fazer isso mesmo por necessidade ou
conveniência (v.gr., para curar uma enfermidade, lavar-se, etc.).
c)
Para julgar da importância ou gravidade dos olhares ou toques às
restantes parte do corpo humano próprio ou alheio, mais que à anatomia
terá que atender à intenção do agente, ao influxo que pode exercer na
comoção carnal e às razões que houve para as permitir, de acordo com os
princípios anteriormente expostos. Às vezes será pecado mortal o que em
outras circunstâncias ou intenções seria tão somente venial e
possivelmente nenhum pecado.
d)
O dito com relação ao corpo humano, aplique-se à vista de estátuas,
quadros, fotografias, espetáculos, etc., na medida, grau e proporção com
que possam excitar a própria sensualidade.
602. 2.° Beijos e abraços.
a)
Constituem pecado mortal quando se tenta com eles excitar diretamente o
deleite venéreo, embora se trate de parentes e familiares (e com maior
razão entre estes, pelo aspecto incestuoso desses atos).
b)
Podem ser mortais, com muita facilidade, os beijos passionais entre
noivos (embora não se tente o prazer desonesto), sobre tudo se forem na
boca e se prolongam algum tempo; pois é quase impossível que não
representem um perigo próximo e notável de movimentos carnais em si
mesmo ou na outra pessoa. Quando menos, constituem uma falta maior de
caridade para com a pessoa amada, pelo grande perigo de pecar a que a
expõe. É incrível que estas coisas possam fazer-se em nome do amor (!).
Até tal ponto os cega a paixão, que não lhes deixa ver que esse ato de
paixão sensual, longe de constituir um ato de verdadeiro e autêntico
amor—que consiste em desejar ou fazer o bem ao ser amado—, constitui, em
realidade, um ato de egoísmo refinadísimo, posto que não vacila em
satisfazer a própria sensualidade até a costa de lhe causar um grande
dano moral à pessoa amada. Diga-o mesmo dos toques, olhares, etc., entre
esta classe de pessoas.
c)
Um beijo rápido, suave e carinhoso dado a outra pessoa em testemunho de
afeto, com boa intenção, sem escândalo para ninguém, sem perigo (ou
muito remoto) de excitar a própria ou alheia sensualidade, não pode
proibir-se em nome da moral cristã, sobre tudo se houver alguma causa
razoável para isso; v.gr., entre prometidos formais, parentes,
compatriotas (onde haja costume disso), etc.
602. 3º. Conversas e cantos.
a)
É pecado mortal iniciar ou manter uma conversação francamente desonesta
ou obscena, que não pode ter outra finalidade que excitar a
sensualidade própria ou alheia ou escandalizar a outros. O iniciador
peca mais gravemente que o resto dos interlocutores. Diga-o mesmo de um
canto gravemente obsceno, ou seja, apto para escandalizar a qualquer
pessoa normal.
b)
Sustentar alguma conversação sobre matérias obscenas ou perigosas
(v.gr., sobre os deveres íntimos do matrimônio, obstetrícia, etc.) sem
causa suficiente para isso, mas também sem nenhuma má intenção,
ordinariamente não passará de pecado venial, ao menos se pela maneira de
falar, seriedade dos circunstantes, etc., vê-se claro que não produz
escândalo nenhum nem se corre perigo de excitar a sensualidade própria
ou alheia. Com causa justificada (v.gr., por razão de estudo da medicina
ou a moral) não teria pecado algum.
c)
As piadas, historietas mais ou menos subidas de tom, etc., relatados
sem má intenção e sem escândalo dos circunstantes, ordinariamente não
passam tampouco de pecado venial, porque a risada está acostumada
recair, não sobre a coisa obscena em si mesmo, a não ser sobre o engenho
ou graça do caso. Entretanto, são muito inconvenientes (sobre tudo em
presença de pessoas ligeiras e largas de consciência), porque revistam
degenerar facilmente em conversações obscenas, gestos torpes e
brincadeiras soezes das coisas mais sérias e sagradas. Neste último
caso, claro está que seriam pecado mortal.
603. 4.° Leituras.
Com ligeiras variantes, pode aplicar-se às leituras o que acabamos de dizer nos números anteriores. E assim;
a)
É pecado mortal ler um livro francamente obsceno que excite gravemente a
sensualidade do leitor, já seja de tipo científico, recreativo ou
histórico. Com grave causa e as devidas precauções poderia autorizar-se
por razão do ofício (médico, confessor, censor literário, etc.), sempre
que não represente um perigo próximo de consentimento nos movimentos
desordenados que excite, porque, neste caso, seria gravemente ilícito
pelo mesmo direito natural.
b)
As novelas amorosas, científicas ou de aventuras, etc., que não excitem
a sensualidade, ou só de maneira remota ou leve, podem ler-se sem
pecado grave até com causa muito ligeira; e com causa proporcionada,
inclusive sem pecado leve. Mas de ordinário devem desaconselhar-se aos
jovens, pelo tempo que perdem nisso com prejuízo de suas obrigações, por
lhes transladar a uma esfera irreal cheia de ilusões e fantasias e por
outros muitos inconvenientes pelo estilo. As novelas obscenas estão de
sua gravemente proibidas para todos pelo mesmo direito natural.
Fonte: A Vida Sacerdotal
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