Há duas maneiras de resistir aos
vícios e adquirir as virtudes. Existe uma maneira mais comum e não tão
perfeita que consiste em procurar resistir a algum vício por meio de
atos de virtude que se lhe opõe e que destrói tal vício, pecado ou
tentação. Como se ao vício ou tentação de impaciência ou de espírito de
vingança que sinto em minha alma, por algum dano recebido, ou por
palavras injuriosas, ou quisesse resistir lançando mão de considerações
apropriadas, por exemplo, considerando a paixão do Senhor: "Era
maltratado e ele sofria, não abria a boca" (Is 53,7); ou trazendo à
lembrança os bens que se adquirem com o sofrimento e com o vencer-se a
si mesmo, ou ainda, pensando que Deus nos ordenou que sofrêssemos por
advir daí o nosso aproveitamento, etc. Por meio dessas considerações,
consinto em sofrer, querer e aceitar a citada injúria, afronta ou dano, e
isso, visando a glória e a honra de Deus. Esta maneira de resistir e de
se opor à tentação, vício ou pecado em apreço, dá ocasião ao exercício
da paciência e é um bom modo de resistir, ainda que árduo e menos
perfeito.
Há outra maneira mais fácil,
proveitosa e perfeita de vencer vícios e tentações e adquirir e
conquistar virtudes. Consiste no seguinte: a alma deve aplicar-se apenas
nos atos e movimentos anagógicos e amorosos, prescindindo de outros
exercícios estranhos; por este meio, consegue opor resistência e vencer
todas as tentações do nosso adversário, alcançando assim as virtudes, em
grau eminente.
Ao sentirmos o primeiro
movimento ou investida de algum vício, como a luxúria, a ira,
impaciência, espírito de vingança por uma ofensa recebida, etc., não
procuremos resistir opondo um ato da virtude contrária, segundo ficou
dito, mas desde os primeiros assaltos, façamos logo um ato ou movimento
de amor anagógico contra o vício em questão, elevando nosso afeto a
Deus, porque com essa diligência já a alma foge da ocasião e se
apresenta a seu Deus e se une com ele. Ora, desse modo, consegue vencer a
tentação e o inimigo não pode executar o seu plano, pois não encontra a
quem ferir, uma vez que a alma, por estar mais onde ama do que onde
anima, subtraiu divinamente o corpo a tentação. Portanto, não acha o
adversário por onde atacar e dominar a alma; ela já não se encontra ali
onde ele a queria ferir e lhe causar dano.
E então, ó maravilha! a alma
como esquecida do movimento vicioso e junta e unida com seu Amado,
nenhum movimento sente do tal vício com que o demônio pretendia
tentá-la, tendo mesmo, para isso, arremessado seus dardos contra ela;
primeiramente, porque subtraiu o corpo, como ficou dito, e, portanto, já
não se encontra ali; assim, se me permitem a expressão, seria quase
como tentar um corpo morto, pelejar com o que ão é, com o que não está,
com o que não sente, nem é capaz de ser tentado, naquela ocasião.
Desta maneira vai-se formando na
alma uma virtude heróica e admirável, que o Doutor Angélico, Santo
Tomás, denomina virtude da alma perfeitamente purificada. Esta virtude,
diz o Santo, é a que vem a ter a alma quando Deus a eleva a tal estado
que ela já não sente as solicitações dos vícios, nem seus assaltos, nem
arremetidas ou tentações, pelo elevado grau de virtude a que chegou. E
daqui lhe nasce e advém uma tão sublime perfeição que já nada se lhe dá
que a injuriem ou que a louvem e enalteçam; que a humilhem, que digam
mal dela ou que digam bem. Porque, como os citados movimentos anagógicos
e amorosos conduzem a alma a tão elevado e sublime estado, o efeito
mais próprio deles com relação a ela é fazê-la esquecer todas as coisas
que estão fora de seu Amado, que é Jesus Cristo. E daqui lhe vem,
segundo referimos, que estando a alma unida a seu Deus e entretida com
ele, as tentações não encontram a quem ferir, pois não podem elevar-se
ao nível a que a alma subiu, ou até onde foi elevada por Deus: "Nenhum
mal te atingirá" (Sl 90,10)
Deve-se prevenir aos
principiantes, cujos atos de amor anagógicos não são ainda tão rápidos e
instantâneos, nem tão fervorosos, para que consigam, de um salto,
ausentar-se completamente dali e unir-se com o Esposo, que, se
perceberem que apenas essa diligência não basta para esquecer por
completo o movimento vicioso da tentação, não deixem de opor
resistência, lançando mão de todas as armas e considerações que puderem,
até que cheguem a vencê-la completamente. Devem proceder do seguinte
modo: primeiramente, procurem resistir, oponto os mais fervorosos
movimentos anagógicos que lhes for possível e os ponham em prática,
exercitando-se neles mutas vezes; quando isso não for suficiente, porque
a tentação é forte e eles são fracos, aproveitem-se, então, de todas as
armas de piedosas meditações e exercícios que julgarem ser necessários
para conseguir a vitória. Devem estar persuadidos de que este modo de
resistir é excelente e eficaz, pois encerra em si todas as estratégias
de guerra necessárias e de importância.
São João da Cruz, Ditames de Espírito
Fonte: GRAA
Fonte: GRAA
Muito importante! Glória ao Pai por esse grande Santo e por esse apostolado!
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