Quando Deus, interrogando o santo homem Jó, expõe diante de seus olhos todas as maravilhas da criação, Ele lhe diz: "É sob vosso mandamento que a águia se eleva tão alto? Numquid ad praeceptum tuum elevatur aquila[1]?
Deus, que concede às suas criaturas a incomparável variedade de seus dons, quis distinguir a águia entre os animais pela sublimidade de seu voo. A envergadura de suas asas a sustentam no mais alto dos Céus. Aí ela plaina; aí ela parece reinar. Por sua beleza e por sua força, a águia é a rainha dos ares. Logo, direis que ela brinca entre os raios do sol, ou mesmo que ela se banha nas nuvens que escondem a tempestade. Por vezes, contudo, ela rasga o imenso espaço, desce até nós... A águia só toca a terra para apanhar e dilacerar sua presa.
Ela é o símbolo do poder humano que, resplandecente de glória e segurando o raio entre suas mãos, só é conhecida no mundo pelas vitórias sangrentas que ela causa e pelas devastações que ela exerce.
"É assim, diz São Gregório, que o profeta Ezequiel compara Nabucodonosor a uma grande águia com as asas estendidas[2]". E é assim que mais tarde, quando Deus entregar à Roma o império do mundo, veremos as legiões romanas seguir a águia, que as guiarão na conquista do universo.
Mas como é raro que o homem se eleve pelo poder e pela força, sem se deixar seduzir pelo orgulho! Tanto que a santa Escritura se serve igualmente do símbolo da águia para designar a alma orgulhosa. Esta aqui, igual à águia, adora fixar sua morada no topo das montanhas e das rochas escarpadas... "Ainda, exclama o Senhor pela boca do profeta Jeremias, que colocasses teu ninho tão alto quanto o da águia, de lá te precipitaria[3]". Escutemos a mesma linguagem, repetida por outra voz: "O Senhor derrubou os soberbos e exaltou os humildes[4]". Eis a voz de Maria, eis a voz da humilde colomba. As águias são arrancadas do ninho onde seu orgulho se comprazia; a pomba é elevada acima dos coros dos Anjos.
Se, todavia, só considerássemos o voo desta ave nobre, que sob a sombra do Criador sobe majestosamente rumo ao Céu, que despreza os lugares baixos da terra e cujo olho orgulhoso e penetrante não se fecha diante do sol[5], oh! então, a águia seria para nós a imagem destas grandes e santas almas que não sabem experimentar os bens terrestres, que, com o apóstolo São Paulo, já conversam nos céus[6], e que um dia, gloriosos e transformados, contemplarão a luz divina.
Deus contemplava o impulso destas almas, retoma São Gregório[7], quando Ele fazia esta pergunta a Jó: "É sobre tua ordem que se levantarão as águias?[8]" E, com efeito, nossos próprios esforços permaneceriam sempre impotentes, se os ventos da graça divina não nos sustentassem para nos arrebatar ao Céu.
É, pois, em Vós que eu esperarei, Senhor!
"Aqueles que esperam, diz o profeta Isaías, tomarão as asas da águia; eles correm sem se cansar; marcharão sem se fatigar[9]". Oh! que este pensamento me tranquilize! A ciência que infla não fornece asas; mas somente vossa graça e vossa misericórdia, ó meu Deus: pois o Senhor confunde a sabedoria dos sábios, reprova a prudência dos prudentes[10], e transforma em águias aqueles que esperam em Vós. Eu não vos peço, Senhor, o orgulho da águia, o orgulho de um espírito vão e de uma glória mentirosa. Mas eu vos peço o voo da águia, para me elevar até Vós, e o olho da águia, para contemplá-Lo.
Ninguém teve maior mérito, aqui na terra, de ser comparado à águia do que o evangelista São João. Tanto que a águia é o símbolo que nossos livros santos lhe atribuem e que a Igreja lhe designa.
São Gregório[11] realça uma sublime analogia entre a ave que fixa com seus olhos o sol nascente e o apóstolo que penetra com seu olhar a inenarrável geração do Verbo. E, por sua vez, Santo Agostinho[12] explica porque, entre os Evangelistas, São João é aquele que identificam com a águia. "É, diz ele, porque sua pregação se eleva ao mais alto grau que todas as outras, e porque ele eleva nossos corações com ela. Os outros Evangelistas parecem mais se manter ao nível da terra, com o Deus feito homem, e insistem menos sobre sua divindade. Mas João, como se estivesse encarregado disso, ecoando em nossos ouvidos desde a primeira palavra de seu Evangelho, toma inicialmente seu voo, e sobe, ultrapassando não somente a terra, não somente as regiões celestes, mas os exércitos dos anjos, todos os coros dos poderes invisíveis, até que ele chega Àquele por quem tudo foi feito, e proclama isso nessas palavras: "No princípio era o Verbo, e o Verbo estava em Deus e o Verbo era Deus[13]".
Ó João, repousastes no cenáculo sobre o coração de vosso divino Mestre. Eis o ninho da águia que escolhestes; mas, saindo de vosso repouso, pudestes dizer, como Davi: "Eu dormi e depois eu me levantei[14]". A águia se precipitou de seu ninho e, desdobrando suas asas, ela foi se perder nos segredos inefáveis da divindade.
São Gregório[15] compara o Salvador, no mistério de sua ascensão, à ave que sobe rumo ao Céu. Mas, acrescentam vários santos doutores[16], a ave cujo voo recorda a ascensão de Jesus Cristo é principalmente a águia, que só se agrada com os lugares elevados, e segue ao mais alto dos ares de misteriosas veredas, desconhecidas ao olho do homem[17].
O Salvador, durante sua vida mortal, só se subtraiu da terra, sem contrair nenhuma de nossas sujeiras, sem se ligar aos nossos bens perecíveis, e, sua missão concluída, ele retornou rapidamente para a pátria celeste.
Todavia, já demonstramos que a águia só se aproxima da terra para agarrar sua presa. Ela a subtrai e a levanta. "Nisso, diz Santo Ambrósio[18], o Senhor se parece ainda com a águia. Pois, assim como, para se apoderar da presa que ela cobiça, a águia escolhe um lugar elevado de onde ela possa se lançar mais facilmente sobre ela; da mesma forma, o Salvador foi suspenso inicialmente sobre a árvore da Cruz, e daí, com um barulho de trovão e bater de asas terrível, ele foi arrebatar no fundo dos infernos o homem que o demônio aí mantinha cativo sob sua dominação. Ele o fez cativo, por sua vez, e, carregado deste nobre despojo, ele retorna vitorioso ao Céu, segundo a palavra do Salmista: Ó Deus poderoso, subindo nas alturas levastes os cativos; recebestes homens como tributos[19]".
Eis a doutrina constante de São Paulo, de opor o velho homem, que é Adão, ao homem novo, que é Jesus Cristo.
Enquanto que não tivermos sido regenerados pela graça, pertenceremos ao velho homem, e o Apóstolo nos exorta constantemente a nos despojarmos da velhice de Adão para nos revestirmos de Jesus Cristo[20], e entrar, em seguida, em uma vida completamente nova.
Os santos doutores aplicam habitualmente a esse maravilhoso fenômeno da renovação de nossa alma por Jesus Cristo, a palavra figurada de Davi: "Tua juventude se renovará como aquela da águia[21]".
"Ainda que esse fato do rejuvenescimento da águia mereça nossa crença, diz a este propósito Santo Agostinho[22], ainda que ele não tenha outro fundamento senão uma opinião popular, o que está pelo menos fora de dúvida, é que a santa Escritura faz alusão a ele e que ela não o propõe à nossa meditação sem motivo. Deixemos de lado, se quisermos, a exatidão do fato material; mas pratiquemos exatamente o que está indicado por ela".
Escutemos Santo Ambrósio[23]:
"Ao nos anunciando que nossa juventude se renovará como aquela da águia, o salmista profetizou a graça do batismo. A águia rejuvenesce no sentido de que, se despojando de suas penas velhas, ela se adorna de penas novas, como de um revestimento juvenil; e se assemelha, com efeito, então, ao jovem aguioto, pois suas asas, ainda inábeis e sem experiência, devem pouco a pouco se exercitar para voar. Da mesma forma, nossos neófitos, quando se apresentam ao batismo, se despojam da velhice do pecado e se revestem de uma santidade nova: eles parecem renascer ao receber a graça da imortalidade. Como a águia volta a ser aguioto, nossos neófitos voltam a ser crianças.
Todavia, acrescenta o mesmo Padre, observamos que Davi não diz: vossa juventude se renovará como aquela das águias; mas como aquela da águia: pois ele tinha em vista somente uma águia, aquela cuja juventude se renova em nós, Jesus Cristo Nosso Senhor, que, com efeito, se rejuvenesce como a águia no dia glorioso de sua ressurreição".
Somente em vós, Senhor Jesus, eu posso encontrar uma juventude imortal, e é também somente o Senhor que dará à minha juventude o auxílio e a força dos quais ela necessita. Sejas para mim como a águia que provoca seus pequenos a voar, que voa acima deles, estende sobre eles suas asas e os leva sobre seus ombros[24].
Voes acima de mim, Senhor, enquanto o Senhor recorda à minha memória vossos ensinamentos e vossas virtudes sublimes. Estendas sobre mim vossas asas, enquanto o Senhor faz sentir ao meu coração o doce calor de vosso amor, e me leves sobre vossos ombros divinos, enquanto, arrebatado por vossa graça, eu vá, me apoiando sobre ela, repousar na morada da glória.
"As aguiazinhas lambem o sangue, e em qualquer lugar onde há um corpo morto, a águia se precipita imediatamente sobre ele[25]". Jesus Cristo, em seu Evangelho, recordou esta última palavra do livro de Jó e a aplicou a si mesmo. Querendo prevenir seus discípulos contra a aparição dos falsos profetas e dos falsos cristos, ele os exorta a desconfiarem daqueles que lhes dirão: O Cristo está aqui ou acolá. Mas onde, portanto, estará o verdadeiro Cristo? retomam os discípulos, e Jesus lhes responde: "Lá onde estiver o corpo, é lá que se reunirão as águias[26] [27]". Os santos doutores ensinam unanimemente que o corpo em torno do qual as águias se reúnem é o próprio corpo do filho do homem.
"Para determinar qual é o corpo, diz sobre esse assunto Santo Ambrósio[28], formamos, inicialmente, nossas conjecturas sobre o que podem ser as águias. As águias são certamente as almas justas que desprezam a terra e que aspiram ao Céu. Mas assim já não nomeamos o corpo cuja presença atrai as águias? José obtém de Pilatos o corpo de Jesus Cristo. Vejam imediatamente as águias se agruparem ao seu entorno. Eis Maria de Cléofas, eis Maria Madalena, eis Maria, a mãe do Salvador, eis o colégio inteiro dos apóstolos".
E o mesmo doutor cuida de acrescentar que o corpo de Jesus Cristo não é somente aquele que ele tinha se dignado em tomar durante sua vida mortal, em uma forma semelhante à nossa; mas também esse mesmo corpo do qual ele disse: "Minha carne é verdadeiramente uma comida e meu sangue é verdadeiramente uma bebida[29]".
Podemos igualmente dizer que o corpo místico de Jesus Cristo é a Igreja, e que as águias se reúnem em torno dela, pois nem a santidade, nem a ciência, nem nada que eleva as almas jamais lhe faltou.
Mas as águias só rodeiam a Igreja por causa da adorável presença da divina Eucaristia: eis o sangue que os aguiotos lambem, eis o corpo que alimenta as águias[30].
Em uma das salas do Vaticano onde a pintura cristã inscreveu suas mais belas obras, contemple por um momento esta página, bela e sublime entre todas as outras, esta que temos o hábito de nomear a disputa do santo Sacramento!
Na parte superior do quadro, os anjos e os santos formam dois arcos resplandecentes que cercam o Pai eterno, e toda esta assembléia augusta contempla no êxtase a humanidade santa do Salvador, gloriosamente assentado entre seu precursor e sua mãe: eis a representação do céu!.. Mas, abaixem agora vossos olhares. Abaixo do céu, a Igreja, em sua manifestação mais elevada, a Igreja tendo apenas um único pensamento, a adoração, o amor, a glorificação do Santíssimo Sacramento. No centro, a hóstia divina aparece sobre o altar, e de cada lado estão agrupados em círculo os mais santos e mais ilustres personagens da Igreja. Aqui, os grandes doutores que foram sua luz, por sua eloquência e por sua ciência; lá, os poetas e os artistas que a ornaram magnificamente com as produções de seu gênio. - Os Agostinhos e os Jerônimos, os Tomás de Aquino e os Boaventura, e com eles, perto deles, unidos em um mesmo respeito e um mesmo culto, os Bramante, os Rafael, os Dante. Todos celebram juntos o Sacramento que está acima de todos os cânticos de louvores, todos adoram, sob os véus, Aquele que os anjos e os santos contemplam na glória. A Igreja e o Céu se unem, e o ponto onde tudo converge é o corpo sagrado de Jesus Cristo. - "Lá onde está o corpo, é lá que se reúnem as águias".
Eu saio do Vaticano, e longe, bem longe dos esplendores da cidade eterna, entro em uma pobre igreja de vilarejo... Lá, muito próximo de um tabernáculo modesto, algumas almas simples estão em oração. Elas não têm nem a ciência, nem a inteligência; e, contudo, essas criaturas humildes têm asas para voar rumo a Deus! Que candura e que pureza de vida! Que devotamento pelo próximo, que santo desprezo pelas coisas da terra e que impulso rumo às coisas celestes!... Divina Eucaristia, é em vos adorando e em vos amando que elas se tornaram semelhantes às águias. - "Lá onde estiver o corpo, é lá que se reunirão as águias[31]".
Monsenhor de la Bouillerie. Études sur le Symbolisme de la Nature. Paris, Librairie Catholique Martin-Beaupré Frères, Éditeurs, 1867.
[1] Jó 34, 27.
[2] Greg., moral. 31, 47.
[3] Jer 49, 16.
[4] Lc 1, 52.
[5] Jó 39, 27.
[6] Fl 3, 20.
[7] Greg., moral. 31, 47.
[8] Jó 39, 30.
[9] Is 40, 31.
[10] I Cor 1, 19.
[11] Greg. moral. 31, 47.
[12] Aug. tract. in Jo 8, 36.
[13] Jo 1, 1
[14] Salmo 3, 6.
[15] Greg. moral. 31, 47.
[16] Amb. Serm. in Dom. IV post Pent.
[17] Prov. 30, 19.
[18] Amb. Serm. in Dom. V post Pent.
[19] Salmo 67, 19.
[20] Ef 4, 24.
[21] Salmo 52, 5.
[22] Aug. in Ps. 116, 10.
[23] Amb. Serm. in albis set. Pascha.
[24] Dt 32, 11.
[25] Jó 39, 30.
[26] Mt 24, 23-28.
[27] N.d.t.: Todas as versões de língua portuguesa consultadas estão com a tradução equivocada deste trecho. A vulgata traz as palavras latinas aquilae - águias; e corpus - corpo, e não cadáver e abutres, como encontramos.
[28] Amb. in Evang Luc. 8, 18.
[29] Jo 6, 56.
[30] Jo 34, 3.
[31] Mt 24, 28.
São Gregório[11] realça uma sublime analogia entre a ave que fixa com seus olhos o sol nascente e o apóstolo que penetra com seu olhar a inenarrável geração do Verbo. E, por sua vez, Santo Agostinho[12] explica porque, entre os Evangelistas, São João é aquele que identificam com a águia. "É, diz ele, porque sua pregação se eleva ao mais alto grau que todas as outras, e porque ele eleva nossos corações com ela. Os outros Evangelistas parecem mais se manter ao nível da terra, com o Deus feito homem, e insistem menos sobre sua divindade. Mas João, como se estivesse encarregado disso, ecoando em nossos ouvidos desde a primeira palavra de seu Evangelho, toma inicialmente seu voo, e sobe, ultrapassando não somente a terra, não somente as regiões celestes, mas os exércitos dos anjos, todos os coros dos poderes invisíveis, até que ele chega Àquele por quem tudo foi feito, e proclama isso nessas palavras: "No princípio era o Verbo, e o Verbo estava em Deus e o Verbo era Deus[13]".
Ó João, repousastes no cenáculo sobre o coração de vosso divino Mestre. Eis o ninho da águia que escolhestes; mas, saindo de vosso repouso, pudestes dizer, como Davi: "Eu dormi e depois eu me levantei[14]". A águia se precipitou de seu ninho e, desdobrando suas asas, ela foi se perder nos segredos inefáveis da divindade.
São Gregório[15] compara o Salvador, no mistério de sua ascensão, à ave que sobe rumo ao Céu. Mas, acrescentam vários santos doutores[16], a ave cujo voo recorda a ascensão de Jesus Cristo é principalmente a águia, que só se agrada com os lugares elevados, e segue ao mais alto dos ares de misteriosas veredas, desconhecidas ao olho do homem[17].
O Salvador, durante sua vida mortal, só se subtraiu da terra, sem contrair nenhuma de nossas sujeiras, sem se ligar aos nossos bens perecíveis, e, sua missão concluída, ele retornou rapidamente para a pátria celeste.
Todavia, já demonstramos que a águia só se aproxima da terra para agarrar sua presa. Ela a subtrai e a levanta. "Nisso, diz Santo Ambrósio[18], o Senhor se parece ainda com a águia. Pois, assim como, para se apoderar da presa que ela cobiça, a águia escolhe um lugar elevado de onde ela possa se lançar mais facilmente sobre ela; da mesma forma, o Salvador foi suspenso inicialmente sobre a árvore da Cruz, e daí, com um barulho de trovão e bater de asas terrível, ele foi arrebatar no fundo dos infernos o homem que o demônio aí mantinha cativo sob sua dominação. Ele o fez cativo, por sua vez, e, carregado deste nobre despojo, ele retorna vitorioso ao Céu, segundo a palavra do Salmista: Ó Deus poderoso, subindo nas alturas levastes os cativos; recebestes homens como tributos[19]".
Eis a doutrina constante de São Paulo, de opor o velho homem, que é Adão, ao homem novo, que é Jesus Cristo.
Enquanto que não tivermos sido regenerados pela graça, pertenceremos ao velho homem, e o Apóstolo nos exorta constantemente a nos despojarmos da velhice de Adão para nos revestirmos de Jesus Cristo[20], e entrar, em seguida, em uma vida completamente nova.
Os santos doutores aplicam habitualmente a esse maravilhoso fenômeno da renovação de nossa alma por Jesus Cristo, a palavra figurada de Davi: "Tua juventude se renovará como aquela da águia[21]".
"Ainda que esse fato do rejuvenescimento da águia mereça nossa crença, diz a este propósito Santo Agostinho[22], ainda que ele não tenha outro fundamento senão uma opinião popular, o que está pelo menos fora de dúvida, é que a santa Escritura faz alusão a ele e que ela não o propõe à nossa meditação sem motivo. Deixemos de lado, se quisermos, a exatidão do fato material; mas pratiquemos exatamente o que está indicado por ela".
Escutemos Santo Ambrósio[23]:
"Ao nos anunciando que nossa juventude se renovará como aquela da águia, o salmista profetizou a graça do batismo. A águia rejuvenesce no sentido de que, se despojando de suas penas velhas, ela se adorna de penas novas, como de um revestimento juvenil; e se assemelha, com efeito, então, ao jovem aguioto, pois suas asas, ainda inábeis e sem experiência, devem pouco a pouco se exercitar para voar. Da mesma forma, nossos neófitos, quando se apresentam ao batismo, se despojam da velhice do pecado e se revestem de uma santidade nova: eles parecem renascer ao receber a graça da imortalidade. Como a águia volta a ser aguioto, nossos neófitos voltam a ser crianças.
Todavia, acrescenta o mesmo Padre, observamos que Davi não diz: vossa juventude se renovará como aquela das águias; mas como aquela da águia: pois ele tinha em vista somente uma águia, aquela cuja juventude se renova em nós, Jesus Cristo Nosso Senhor, que, com efeito, se rejuvenesce como a águia no dia glorioso de sua ressurreição".
Somente em vós, Senhor Jesus, eu posso encontrar uma juventude imortal, e é também somente o Senhor que dará à minha juventude o auxílio e a força dos quais ela necessita. Sejas para mim como a águia que provoca seus pequenos a voar, que voa acima deles, estende sobre eles suas asas e os leva sobre seus ombros[24].
Voes acima de mim, Senhor, enquanto o Senhor recorda à minha memória vossos ensinamentos e vossas virtudes sublimes. Estendas sobre mim vossas asas, enquanto o Senhor faz sentir ao meu coração o doce calor de vosso amor, e me leves sobre vossos ombros divinos, enquanto, arrebatado por vossa graça, eu vá, me apoiando sobre ela, repousar na morada da glória.
"As aguiazinhas lambem o sangue, e em qualquer lugar onde há um corpo morto, a águia se precipita imediatamente sobre ele[25]". Jesus Cristo, em seu Evangelho, recordou esta última palavra do livro de Jó e a aplicou a si mesmo. Querendo prevenir seus discípulos contra a aparição dos falsos profetas e dos falsos cristos, ele os exorta a desconfiarem daqueles que lhes dirão: O Cristo está aqui ou acolá. Mas onde, portanto, estará o verdadeiro Cristo? retomam os discípulos, e Jesus lhes responde: "Lá onde estiver o corpo, é lá que se reunirão as águias[26] [27]". Os santos doutores ensinam unanimemente que o corpo em torno do qual as águias se reúnem é o próprio corpo do filho do homem.
"Para determinar qual é o corpo, diz sobre esse assunto Santo Ambrósio[28], formamos, inicialmente, nossas conjecturas sobre o que podem ser as águias. As águias são certamente as almas justas que desprezam a terra e que aspiram ao Céu. Mas assim já não nomeamos o corpo cuja presença atrai as águias? José obtém de Pilatos o corpo de Jesus Cristo. Vejam imediatamente as águias se agruparem ao seu entorno. Eis Maria de Cléofas, eis Maria Madalena, eis Maria, a mãe do Salvador, eis o colégio inteiro dos apóstolos".
E o mesmo doutor cuida de acrescentar que o corpo de Jesus Cristo não é somente aquele que ele tinha se dignado em tomar durante sua vida mortal, em uma forma semelhante à nossa; mas também esse mesmo corpo do qual ele disse: "Minha carne é verdadeiramente uma comida e meu sangue é verdadeiramente uma bebida[29]".
Podemos igualmente dizer que o corpo místico de Jesus Cristo é a Igreja, e que as águias se reúnem em torno dela, pois nem a santidade, nem a ciência, nem nada que eleva as almas jamais lhe faltou.
Mas as águias só rodeiam a Igreja por causa da adorável presença da divina Eucaristia: eis o sangue que os aguiotos lambem, eis o corpo que alimenta as águias[30].
Em uma das salas do Vaticano onde a pintura cristã inscreveu suas mais belas obras, contemple por um momento esta página, bela e sublime entre todas as outras, esta que temos o hábito de nomear a disputa do santo Sacramento!
Na parte superior do quadro, os anjos e os santos formam dois arcos resplandecentes que cercam o Pai eterno, e toda esta assembléia augusta contempla no êxtase a humanidade santa do Salvador, gloriosamente assentado entre seu precursor e sua mãe: eis a representação do céu!.. Mas, abaixem agora vossos olhares. Abaixo do céu, a Igreja, em sua manifestação mais elevada, a Igreja tendo apenas um único pensamento, a adoração, o amor, a glorificação do Santíssimo Sacramento. No centro, a hóstia divina aparece sobre o altar, e de cada lado estão agrupados em círculo os mais santos e mais ilustres personagens da Igreja. Aqui, os grandes doutores que foram sua luz, por sua eloquência e por sua ciência; lá, os poetas e os artistas que a ornaram magnificamente com as produções de seu gênio. - Os Agostinhos e os Jerônimos, os Tomás de Aquino e os Boaventura, e com eles, perto deles, unidos em um mesmo respeito e um mesmo culto, os Bramante, os Rafael, os Dante. Todos celebram juntos o Sacramento que está acima de todos os cânticos de louvores, todos adoram, sob os véus, Aquele que os anjos e os santos contemplam na glória. A Igreja e o Céu se unem, e o ponto onde tudo converge é o corpo sagrado de Jesus Cristo. - "Lá onde está o corpo, é lá que se reúnem as águias".
Eu saio do Vaticano, e longe, bem longe dos esplendores da cidade eterna, entro em uma pobre igreja de vilarejo... Lá, muito próximo de um tabernáculo modesto, algumas almas simples estão em oração. Elas não têm nem a ciência, nem a inteligência; e, contudo, essas criaturas humildes têm asas para voar rumo a Deus! Que candura e que pureza de vida! Que devotamento pelo próximo, que santo desprezo pelas coisas da terra e que impulso rumo às coisas celestes!... Divina Eucaristia, é em vos adorando e em vos amando que elas se tornaram semelhantes às águias. - "Lá onde estiver o corpo, é lá que se reunirão as águias[31]".
Monsenhor de la Bouillerie. Études sur le Symbolisme de la Nature. Paris, Librairie Catholique Martin-Beaupré Frères, Éditeurs, 1867.
[1] Jó 34, 27.
[2] Greg., moral. 31, 47.
[3] Jer 49, 16.
[4] Lc 1, 52.
[5] Jó 39, 27.
[6] Fl 3, 20.
[7] Greg., moral. 31, 47.
[8] Jó 39, 30.
[9] Is 40, 31.
[10] I Cor 1, 19.
[11] Greg. moral. 31, 47.
[12] Aug. tract. in Jo 8, 36.
[13] Jo 1, 1
[14] Salmo 3, 6.
[15] Greg. moral. 31, 47.
[16] Amb. Serm. in Dom. IV post Pent.
[17] Prov. 30, 19.
[18] Amb. Serm. in Dom. V post Pent.
[19] Salmo 67, 19.
[20] Ef 4, 24.
[21] Salmo 52, 5.
[22] Aug. in Ps. 116, 10.
[23] Amb. Serm. in albis set. Pascha.
[24] Dt 32, 11.
[25] Jó 39, 30.
[26] Mt 24, 23-28.
[27] N.d.t.: Todas as versões de língua portuguesa consultadas estão com a tradução equivocada deste trecho. A vulgata traz as palavras latinas aquilae - águias; e corpus - corpo, e não cadáver e abutres, como encontramos.
[28] Amb. in Evang Luc. 8, 18.
[29] Jo 6, 56.
[30] Jo 34, 3.
[31] Mt 24, 28.
Fonte: Annales Historiae
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