Tudo o que
fala de exercícios físicos, de jogos, de competições, de esporte,
interessa e atrai a juventude de hoje. Os jovens cristãos sabem, porém,
que os movimentos do espírito, e especialmente a corrida para a luz
intelectual, a avançada sobre o terreno misterioso e por vezes árduo da
revelação, o impulso para a bondade e a santidade, são tanto mais belos e
mais nobres e apaixonantes, quanto o saber e a virtude de ânimo
sobrepujam e superam a forma dos músculos e a caduca desenvoltura e
agilidade dos membros.
O vigor do
corpo, que acompanha e embeleza o florescer da juventude, não permanece
diminuído, nem rebaixado, mas, pelo contrário, exaltado e nobilitado
pelo estudo da cultura religiosa e da virtude que domina as paixões. Na
juventude brilha tanta força de energia no corpo, como de virtude no
ânimo, quando no fundo do coração germina aquela vontade que no temor de
Deus encontra o princípio da sabedoria iluminadora do caminho da vida.
A juventude
inclinada sempre a nada temer, muitas vezes, porém, teme e se apavora
por não aparecer suficientemente moderna, de não aparecer à altura do
seu tempo, ou como dizem alguns "à la page". Mas o verdadeiro cristão
encontra-se sempre à altura do tempo (1).
(I) Discurso, Jovens de Ação Católica, 10 de novembro, 1940.
***
Tão longe da
verdade está o que reprova à Igreja de não cuidar dos corpos e da
cultura física, quanto quem pretenda restringir a sua competência e ação
às coisas "puramente religiosas", "exclusivamente espirituais".
Como se o corpo, criatura de Deus, do mesmo modo que a alma, à qual está unido, não devesse ter sua parte na homenagem a ser prestada ao Criador!
"Seja comendo - escrevia o Apóstolo das Gentes aos Coríntios -, seja que bebais, seja que façais qualquer outra coisa, tudo fazei para a glória de Deus". São Paulo fala aqui da atividade física; o cuidado do corpo, o esporte, bem se encaixa nas palavras: "seja que façais qualquer outra coisa". Antes Paulo discorre muitas vezes explicitamente; fala de corridas, de lutas, não com expressões de crítica, ou de repreensão, mas como conhecedor que eleva e nobilita o conceito cristão das mesmas.
Afinal, que
coisa é o esporte, senão uma das formas de educação do corpo? Ora esta
educação está em estreita relação com a moral. Como poderia, portanto, a
Igreja dela desinteressar-se?
Em realidade a
Igreja sempre teve para com o corpo humano uma solicitude e uma
atenção, quais o materialismo, no seu culto idolátrico, não manifestou
jamais. E é muito natural, pois que este não vê e não conhece do corpo
senão a carne material, cujo vigor e cuja beleza nascem e florescem para
depois conhecerem a podridão e a morte, como a erva do campo que
termina nas cinzas e no lodo. Conseguintemente, é bem diverso disto o
conceito cristão. O corpo humano é, em si mesmo, a obra-prima de Deus na
ordem da criação visível. O Senhor o havia destinado a florescer, aqui
embaixo, para que, imortal, desabroche nas glórias do céu. Uniu-o ao
espírito na unidade da natureza humana, para fazer que a alma saboreasse
o encanto das obras de Deus, para ajudá-la a remirar neste espelho o
seu Criador comum, para conhecê-la, adorá-la, amá-la! Não foi Deus que
fez mortal o corpo humano, mas sim o pecado; só por causa do pecado, o
corpo, tirado do pó, deve um dia a ele retornar. Deste pó, entretanto, o
Senhor irá tirá-lo novamente para chamá-lo a vida. Ainda que reduzidos a
pó a Igreja respeita e honra os corpos, mortos para depois ressurgirem.
Mas à visão
ainda mais alta conduz-nos o Apóstolo São Paulo: "Não sabeis diz ele que
o vosso corpo é templo do Espírito Santo, que está em vós que vos foi
dado por Deus e que não pertence a vós mesmos? Pois que fostes comprados
por caro preço. Glorificai portanto a Deus no vosso corpo".
Ora, qual é,
em primeiro lugar, o ofício e o fim do esporte, sã e cristãmente
entendido, senão exatamente o de cultivar a dignidade e harmonia do
corpo humano, de desenvolver a saúde, o vigor, a agilidade e a graça do
mesmo.
Nem se reprove
a São Paulo sua enérgica expressão: "Castigo corpus meum et in
servitutem redigo: "trato duramente o meu corpo e o reduzo a servidão"
pois que ele, no mesmo trecho, se apóia no exemplo dos fervorosos
cultores do esporte. O esporte moderno, conscienciosamente exercitado,
fortifica o corpo, torna-o são, forte e cheio de vida para executar esta
função educativa; o esporte submete o corpo a uma disciplina rigorosa e
por vezes dura, que o domina e o retém verdadeiramente em servidão:
treino para a fadiga, resistência à dor, hábitos de continência e de
temperança severa, condições todas indispensáveis para quem quer
conseguir a vitória. O esporte é eficaz antídoto contra a moleza e a
vida cômoda, acorda o sentido de ordem e educa ao exame e ao domínio de
si, ao desprezo do perigo sem jactância nem pusilanimidade. Assim ele
ultrapassa a robustez física para conduzir à força e à grandeza moral.
Do país natal do esporte teve origem o proverbial "fair play", aquela
emulação cavalheiresca e cortês, que eleva os espíritos acima das
mesquinhezas das fraudes, dos ardis de uma vaidade obscura e vingativa, e
os preserva dos excessos de um fechado e intransigente nacionalismo. O
esporte é uma escola de lealdade, de coragem, de resistência de
resolução, de fraternidade universal, todas estas virtudes naturais, mas
que fornecem à virtude sobrenatural um fundamento sólido e preparam
para sustentar sem debilidades o peso das mais graves responsabilidades.
Fatigar
sãmente o corpo para repousar a mente e dispô-la para novos trabalhos,
afinar os sentidos para adquirir uma intensidade maior de penetração das
faculdades intelectuais, exercitar os músculos e habituar-se ao esforço
para temperar o caráter e formar-se uma vontade forte e elástica como o
aço: tal era a idéia que o sacerdote alpinista havia feito do esporte.
Como esta
idéia está, pois, distante do grosseiro materialismo, para o qual o
corpo é todo o homem! Mas como está também distante daquela loucura do
orgulho, que não se contenta em arruinar com um desprezo malsão as
forças e a saúde do esportista, para conquistar a palma da vitória, em
uma luta pugilística ou competição de velocidade e o expõe, por vezes,
temerariamente até à morte! O esporte digno deste nome torna o homem
corajoso diante do perigo presente, mas não o autoriza a desafiar sem
uma razão proporcionadamente grave, um risco sério. Isto seria
moralmente ilícito.
Assim
entendido o esporte não é um fim, mas um meio; como tal, deve ser e
permanecer ordenado ao fim, que consiste na formação e educação perfeita
e equilibrada do homem por inteiro, para o qual o esporte é um auxílio
no cumprimento pronto e alegre do dever, quer na vida de trabalho, como
na familiar.
Com uma
mudança lamentável da ordem natural, alguns jovens dedicam-se
apaixonadamente, com todo seu interesse e toda sua atividade, às
reuniões e manifestações esportivas, aos exercícios de treinamento e às
disputas, colocando todo seu ideal na conquista de um campeonato, mas às
inadiáveis e importantes exigências do estudo e da profissão, dão
apenas consideração distraída e abúlica. O lar, nada mais é para eles
senão um hotel, onde param de passagem, quase como estrangeiros.
A serviço da
vida sã, robusta, ardente, a serviço de uma atividade mais fecunda no
cumprimento dos deveres do próprio estado, o esporte pode e deve estar
também a serviço de Deus. Para este fim, realmente, ele inclina os
ânimos porque dirijam as forças físicas e as virtudes morais, que
desenvolve; mas enquanto o pagão se submetia ao severo regime esportivo
para obter somente uma coroa caduca, o cristão a ele se submete por um
escopo mais alto, para um prêmio imortal.
De que
serviria realmente a coragem física e a energia do caráter, se o cristão
delas usasse somente para fins terrenos, para ganhar uma "copa", ou
para dar-se ares de super-homem? Se não soubesse, quando é necessário,
reduzir de meia hora o tempo do sono ou retardar um encontro no estádio,
antes do que deixar de assistir à Santa Missa no domingo; se não
conseguisse vencer o respeito humano para praticar a religião e
defendê-la; se não fosse capaz de sua prontidão e de sua autoridade para
reprimir com o olhar, com a voz, com o gesto, uma blasfêmia, um
turpilóquio, uma desonestidade, para proteger os mais jovens e os mais
débeis contra as provocações, as assiduidades suspeitas; se não se
acostumasse a concluir os seus felizes sucessos esportivos com um louvor
a Deus, Criador e Senhor da natureza e de todas as suas forças? Não vos
esqueçais que o mais alto destino do corpo, e sua mais elevada honra, é
ser habitação de uma alma, que refulge de pureza moral se for
santificada pela graça divina (2).
2) Discurso, Jovem de Ação Católica, 20 de maio, 1945.
***
Prestai em
primeiro lugar a Deus a honra que lhe é devida, e, sobretudo, santificai
o dia do Senhor, pois que o desporto não dispensa dos deveres
religiosos. "Eu sou o Senhor teu Deus", dizia o Altíssimo no Decálogo;
"não tenhas outro Deus fora de mim", isto é, nem sequer o próprio corpo
nos exercícios físicos e no desporto: seria quase um regresso ao
paganismo. De igual modo, o quarto mandamento, expressão e tutela da
harmonia que o Criador quis no seio da família, recorda a fidelidade às
obrigações familiares, que se devem preferir às supostas exigências do
desporto e das associações desportivas.
Pelos
mandamentos divinos é também protegida a vida própria e a alheia, a
saúde própria e a alheia, as quais não é lícito expor imprudentemente a
sério perigo com a ginástica e o desporto.
Deles recebem
força também aquelas leis, já conhecidas dos atletas do paganismo, que
os desportistas verdadeiros observam justamente como leis invioláveis no
jogo e nos desafios, e são outros tantos pontos de honra: franqueza,
lealdade, espírito cavalheiresco, pelas quais detestam, como mancha
desonrosa, o emprego da astúcia e do engano; estimam e respeitam o bom
nome e a honra do adversário tanto como o próprio.
O
exercício físico torna-se assim como que uma ascese de virtudes humanas
e cristãs, ou melhor, devem tornar-se e serem tal, por mais duro que
seja o esforço exigido, para que o exercício do desporto se supere a si
mesmo, atinja um dos seus objetivos morais, e seja preservado de desvios
materialistas, que lhe diminuiriam o valor e a nobreza.
Eis em poucas
palavras o que significa a fórmula: Quereis agir retamente na ginástica,
no jogo e no desporto? Observai os mandamentos, os mandamentos no seu
sentido objetivo, simples e claro.
CONCLUSÃO
Quando se
respeita com cuidado o teor religioso e moral do desporto, ele deve
entrar na vida do homem como elemento de equilíbrio, de harmonia e de
perfeição, e como ajuda eficaz para o cumprimento dos outros deveres.
Baseai portanto a vossa alegria na prática correta da ginástica e do
desporto. Levai mesmo para o meio do povo a sua benéfica corrente para
que prospere cada vez mais a saúde física e psíquica e se fortifiquem os
corpos ao serviço do espírito; sobretudo, enfim, não esqueçais, no meio
da agitada e inebriante atividade gímnico-esportiva, aquilo que na vida
vale mais do que todo o resto: a alma, a consciência e, no vértice
supremo: Deus (3).
(3) Discurso ao Congresso Científico Italiano de Desporto e Educação Física, 8 de novembro, 1952.
Fonte: Pio XII e os problemas do mundo moderno, tradução e adaptação do Padre José Marins, 2.ª Edição, edições Melhoramentos.
Fonte: A Grande Guerra
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