sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Beijos, abraços e leituras podem ser pecado de luxúria? O teólogo responde


Antonio Royo Marín, O.P.


II. OS PECADOS INTERNOS DA LUXÚRIA
597. Os pecados internos de luxúria são três: os pensamentos impuros, os desejos impuros e o gozo pelos pecados cometidos. O primeiro se refere ao presente; o segundo, ao futuro, e o terceiro, ao passado.

Falamos que todos eles ao tratar dos pecados internos em geral e remetemos ao leitor a aquele outro lugar (cf. n.257-262).

Aqui nos limitamos a recordar os dois princípios fundamentais que iluminam toda esta questão, e que, bem aplicados, resolvem toda a ampla casuística que possa apresentar-se na prática. São os seguintes:

1.0 O deleite desonesto interno diretamente procurado ou voluntariamente aceito é sempre pecado mortal e não admite DIMINUIÇÃO de matéria.

Por conseguinte, qualquer pensamento impuro, qualquer desejo impuro, qualquer gozo pela lembrança de uma ação impura que se cometeu anteriormente, é em si pecado mortal quando lhe adverte com toda clareza e lhe consente ou aceita com plena vontade. Somente cabe o pecado venial por imperfeição do ato (ou seja, por falta desta plena advertência ou consentimento), mas não pela DIMINUIÇÃO de matéria quando foi plenamente advertida e aceita.

Que classe de pecado se comete e se recolher ou não as circunstâncias do objeto sobre que recai (v.gr., a malícia do adultério, incesto, etc.), explicamo-lo já ao falar dos pecados internos em geral (cf. n.257-262).

2.° Não há nenhuma razão que possa autorizar jamais a permissão indireta de atos internos de luxúria referentes ao futuro (desejos impuros) ou ao passado (gozo ou aprovação dos atos impuros realizados), já que estes são atos próprios da vontade que supõem a aceitação, ou consentimento ao pecado. Mas com causa gravemente proporcionada (v. gr., o exercício profissional do médico, sacerdote, estudante de medicina, etc.) é lícito permitir que sobrevenham pensamentos desordenados, com tal de rechaçar absolutamente o consentimento voluntário aos mesmos, já que é do todo impossível evitá-los e não se contrai sua malícia do momento em que não se buscam diretamente nem se consentem ao produzir-se.

IV. LUXÚRIA EXTERNA NÃO CONSUMADA
Para maior ordem e claridade dividimos esta matéria em duas partes:

A. Atos impudicos em geral.

B. Aplicações concretas.

A) Atos impudicos em geral

598. I. Noção. Em geral se designam com o nome de atos impudicos aqueles que, sem ser propriamente venéreos em si mesmos, relacionam-se, entretanto, com a luxúria e influem nela mais ou menos diretamente. Tais são, principalmente, olharess, toques, beijos, abraços, leituras, cantos ou conversações perigosas, etc. A eles se reduzem também os bailes, espetáculos, fotografias, etc., que sejam perigosos em si ou relativamente à pessoa em questão.

599. 2. Malícia. Consiste na aptidão natural que têm para excitar movimentos torpes que podem conduzir até o deleite venéreo completo. Mas, em si mesmos, muitos deles são indiferentes e podem realizar-se de tal forma que não envolvam pecado algum e até que sejam inclusive louváveis (v.gr., o beijo carinhoso dado à própria mãe).

Estes atos, em si indiferentes, convertem-se em impudicos e maus por um triplo capítulo :

Iº. PELO FIM COM QUE SE EXECUTAM. E neste sentido podem ser:

A. Pecado mortal, se se buscar e tenta com eles obter diretamente um prazer venéreo, embora seja muito pequeno e imperfeito.

B. Pecado venial, se se fizerem unicamente por ligeireza, brincadeira, curiosidade, etc., ou inclusive pelo prazer puramente sensível que com eles pode experimentar-se (v. gr., na boca ao beijar), excluindo, de uma vez, todo afeto ou deleite propriamente carnal (cf. D 1140) e o perigo próximo de que se produza (coisa muito difícil na prática, sobre tudo se se prolongam algum tempo).

C. Nenhum pecado, se o fim for bom e se fazem por necessidade ou verdadeira utilidade; e isso embora houvesse algum perigo de movimentos desordenados, com tal, naturalmente, de não consentir neles se se produzirem de fato. Mas quanto mais perigosos sejam em si mesmos, tanto maior tem que ser a causa que os desculpe; e assim, v. gr., só os médicos, praticantes, etc., têm razão suficiente para ver ou tocar, quando é necessário, as partes íntimas do cliente.

2º. PELO INFLUXO NA COMOÇÃO VENÉREA. E assim serão:
a) Pecado mortal, quando influem próxima e notavelmente em dita comoção e se executam sem causa alguma ou de tudo insuficiente e desproporcionada. As aplicações são variadísimas: olhares, toques, beijos, baile, espetáculos, fotografias, praias, etc., etc., quando influírem nessa forma próxima e notável e se executam sem grave causa e sem as devidas precauções.

b) Pecado venial, quando ficam sem razão suficiente, mas influem tão somente remota ou levemente (v.gr., alguma piada um pouco obscena, um beijo rápido na testa ou na bochecha, um espetáculo um pouco atrevido, mas não imoral, etc.), e não se teve má intenção, nem se produziu grave escândalo, nem se consentiu em nenhum pensamento ou afeto torpe.

c) Nenhum pecado, quando influem tão somente remota ou levemente e houve, além disso, alguma razão de verdadeira utilidade ou conveniência para isso (v.gr, por educação, amizade, afeto familiar, etc.), excluído sempre o consentimento aos movimentos torpes que possam surgir.

3º. PELA FRAGILIDADE ESPECIAL DO AGENTE ou POR RAZÃO DE ESCÂNDALO. Pode ocorrer, em efeito, que algum desses atos que de ordinário influem tão somente remota ou levemente na maior parte da gente, afetem, entretanto, próxima e notavelmente a uma pessoa extraordinariamente frágil e propensa à sensualidade, em cujo caso deve evitar, ao menos até que se serene e normalize, aquelas coisas que outras pessoas mais normais se podem permitir sem pecado. Diga-o mesmo por razão do escândalo que pode produzir-se (v. gr., vendo um sacerdote em um espetáculo impróprio para ele, embora não levasse por sua parte nenhuma má intenção ao assistir).

B) Aplicações concretas

Para ilustrar melhor os princípios que acabamos de expor, vamos aplicá-los a alguns casos concretos e particulares, advertindo, não obstante, que estas aplicações valem unicamente em termos gerais e segundo o que está acostumado a ocorrer ordinariamente; mas na prática terá que ter sempre em conta o conjunto de circunstâncias, principalmente a intenção ou finalidade do agente, as razões que existam para expor-se a algum perigo, sua maior ou menor periculosidade em ordem a suas disposições subjetivas e o escândalo que possivelmente possa dar-se com uma ação acaso lícita em si mesmo ou para outros.

Feitas estas condições, eis aqui o que se pode concluir em termos gerais:

600. 1º. Olhares e toques.
a) Será ordinariamente pecado mortal olhar ou tocar sem causa grave (como a tem o médico, cirurgião, etc.) as partes desonestas de outras pessoas, sobre tudo se forem de diversos sexo, e até do mesmo se se tiver inclinação desviada para ele. Diga-o mesmo com relação às mulheres nos peitos.

b) Pode ser simplesmente venial olhar ou tocar as próprias partes unicamente por ligeireza, curiosidade, etc., excluída toda intenção venérea ou sensual e todo perigo próximo de excitar nelas movimentos desordenados. Não é pecado algum fazer isso mesmo por necessidade ou conveniência (v.gr., para curar uma enfermidade, lavar-se, etc.).

c) Para julgar da importância ou gravidade dos olhares ou toques às restantes parte do corpo humano próprio ou alheio, mais que à anatomia terá que atender à intenção do agente, ao influxo que pode exercer na comoção carnal e às razões que houve para as permitir, de acordo com os princípios anteriormente expostos. Às vezes será pecado mortal o que em outras circunstâncias ou intenções seria tão somente venial e possivelmente nenhum pecado.

d) O dito com relação ao corpo humano, aplique-se à vista de estátuas, quadros, fotografias, espetáculos, etc., na medida, grau e proporção com que possam excitar a própria sensualidade.

602. 2.° Beijos e abraços.
a) Constituem pecado mortal quando se tenta com eles excitar diretamente o deleite venéreo, embora se trate de parentes e familiares (e com maior razão entre estes, pelo aspecto incestuoso desses atos).

b) Podem ser mortais, com muita facilidade, os beijos passionais entre noivos (embora não se tente o prazer desonesto), sobre tudo se forem na boca e se prolongam algum tempo; pois é quase impossível que não representem um perigo próximo e notável de movimentos carnais em si mesmo ou na outra pessoa. Quando menos, constituem uma falta maior de caridade para com a pessoa amada, pelo grande perigo de pecar a que a expõe. É incrível que estas coisas possam fazer-se em nome do amor (!). Até tal ponto os cega a paixão, que não lhes deixa ver que esse ato de paixão sensual, longe de constituir um ato de verdadeiro e autêntico amor—que consiste em desejar ou fazer o bem ao ser amado—, constitui, em realidade, um ato de egoísmo refinadísimo, posto que não vacila em satisfazer a própria sensualidade até a costa de lhe causar um grande dano moral à pessoa amada. Diga-o mesmo dos toques, olhares, etc., entre esta classe de pessoas.

c) Um beijo rápido, suave e carinhoso dado a outra pessoa em testemunho de afeto, com boa intenção, sem escândalo para ninguém, sem perigo (ou muito remoto) de excitar a própria ou alheia sensualidade, não pode proibir-se em nome da moral cristã, sobre tudo se houver alguma causa razoável para isso; v.gr., entre prometidos formais, parentes, compatriotas (onde haja costume disso), etc.

602. 3º. Conversas e cantos.
a) É pecado mortal iniciar ou manter uma conversação francamente desonesta ou obscena, que não pode ter outra finalidade que excitar a sensualidade própria ou alheia ou escandalizar a outros. O iniciador peca mais gravemente que o resto dos interlocutores. Diga-o mesmo de um canto gravemente obsceno, ou seja, apto para escandalizar a qualquer pessoa normal.

b) Sustentar alguma conversação sobre matérias obscenas ou perigosas (v.gr., sobre os deveres íntimos do matrimônio, obstetrícia, etc.) sem causa suficiente para isso, mas também sem nenhuma má intenção, ordinariamente não passará de pecado venial, ao menos se pela maneira de falar, seriedade dos circunstantes, etc., vê-se claro que não produz escândalo nenhum nem se corre perigo de excitar a sensualidade própria ou alheia. Com causa justificada (v.gr., por razão de estudo da medicina ou a moral) não teria pecado algum.

c) As piadas, historietas mais ou menos subidas de tom, etc., relatados sem má intenção e sem escândalo dos circunstantes, ordinariamente não passam tampouco de pecado venial, porque a risada está acostumada recair, não sobre a coisa obscena em si mesmo, a não ser sobre o engenho ou graça do caso. Entretanto, são muito inconvenientes (sobre tudo em presença de pessoas ligeiras e largas de consciência), porque revistam degenerar facilmente em conversações obscenas, gestos torpes e brincadeiras soezes das coisas mais sérias e sagradas. Neste último caso, claro está que seriam pecado mortal.

603. 4.° Leituras.
Com ligeiras variantes, pode aplicar-se às leituras o que acabamos de dizer nos números anteriores. E assim;

a) É pecado mortal ler um livro francamente obsceno que excite gravemente a sensualidade do leitor, já seja de tipo científico, recreativo ou histórico. Com grave causa e as devidas precauções poderia autorizar-se por razão do ofício (médico, confessor, censor literário, etc.), sempre que não represente um perigo próximo de consentimento nos movimentos desordenados que excite, porque, neste caso, seria gravemente ilícito pelo mesmo direito natural.

b) As novelas amorosas, científicas ou de aventuras, etc., que não excitem a sensualidade, ou só de maneira remota ou leve, podem ler-se sem pecado grave até com causa muito ligeira; e com causa proporcionada, inclusive sem pecado leve. Mas de ordinário devem desaconselhar-se aos jovens, pelo tempo que perdem nisso com prejuízo de suas obrigações, por lhes transladar a uma esfera irreal cheia de ilusões e fantasias e por outros muitos inconvenientes pelo estilo. As novelas obscenas estão de sua gravemente proibidas para todos pelo mesmo direito natural.
Fonte: A Vida Sacerdotal

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...