domingo, 15 de novembro de 2015

As Falsas Virtudes




Aparências de virtude
Antes de falarmos do que é a virtude, vamos falar um pouco do que “não é”.
A definição mais simples – embora perigosa – de virtude é “hábito bom”, ou seja, uma qualidade que a pessoa tem e que se manifesta em certas atitudes e reações habituais, em determinadas condutas contínuas. Há, por exemplo, pessoas que tem uma amabilidade habitual, outras que geralmente estão de bom humor, outras que sempre cumprem os horários, outras que não descuidam da ordem material, outras que nunca irritam os demais...
Todas essas coisas, você acha que são virtudes? Podem ser, todas elas, mas nem sempre. Mas ainda, como veremos a seguir, podem ser pseudovirtudes que enganam, como as miragens no deserto, que aparecem à imaginação dos que morrem de sede como se fossem lagos azuis.
Há vários critérios, muitos deles dados por Cristo, para desmascarar as falsas virtudes. Veremos a seguir alguns deles. Mas acho bom preveni-lo: com isso, não queremos convidar ninguém a pensar nos defeitos dos outros! Basta que identifiquemos os nossos.
Para melhor desmascarar as miragens, façamos uma classificação.
Tipos de miragens
1) As “virtudes” vaidosas
Nosso senhor fala explicitamente delas. Já no início de sua pregação, no Sermão da Montanha, nos alerta: Guardai-vos de fazer as vossas boas obras diante dos homens, para serdes vistos por eles. Do contrário, não tereis recompensa junto de vosso Pai que está no céu (cf. Mt 6,1). Quer dizer que, aos olhos de Deus, não tem valor as virtudes contaminadas pela vaidade.
Para serdes vistos! Esse para diz tudo: fala das virtudes praticadas com uma finalidade vaidosa, que pode ser dupla.
a)  Virtudes-vitrine
Vividas com fins de exibição, procurando glorificar a nossa imagem diante dos outros, indo atrás do aplauso, da publicidade, do louvor, ou da badalação para obter vantagens. Jesus corta pela raiz essa hipocrisia.
Lembre que, no Sermão da Montanha, Ele nos manda praticar a esmola sem tocar a trombeta, sem que a mão esquerda saiba o que faz a direita, e assim teu Pai que vê o escondido, te recompensará.
Igualmente, não quer que oremos – que façamos as nossas práticas religiosas – para sermos vistos pelos homens, visando criar uma boa imagem espiritual, que os outros admirem, e talvez aproveitar-nos dela. Quantos rapazes e moças não fizeram isso para arranjar na igreja namoradas(os) bonzinhos.
Por fim, recomenda fazer sacrifícios sem “ar de vítima”, sem dar-nos importância nem cobrar o agradecimento dos demais: “Quando jejuardes, perfuma a tua cabeça e lava o teu rosto; assim, não parecerá aos homens que jejuas (cf. Mt 6,2 ss). Virtude vaidosa não é virtude.
b) Virtudes-espelho
A vaidade funciona também como um espelho onde nos contemplamos, no íntimo de nós, com admiração e orgulho. Como fazia aquele de quem falava São Josemaria, que dedicou um livro a si mesmo, escrevendo: «A mim mesmo, com a admiração que me devo» (Sulco, n. 719). Ao envaidecer-nos com as nossas qualidades, estragamos o bem que possa haver nelas.
Por causa disso, Jesus reprovou o fariseu que subiu ao Templo intimamente ufano com as suas “virtudes”: Graças te dou, ó Deus, porque não sou como os demais homens: ladrões, injustos e adúlteros; nem como este publicano que está ali. Jejuo duas vezes na semana e pago o dízimo de todos os meus lucros (cf. Lc 18, 9-14). O publicano, tão desprezado, só agradecia a bondade de Deus e pedia perdão. Este voltou para casa justificado, e não o outro (Lc 18, 9-14).
E nós? Que me diz de nós quando repetimos “eu não tenho pecado”, “não faço mal a ninguém”, “não preciso me confessar”? Não há uma certa semelhança com o fariseu?
2) Os hábitos rotineiros
Existem pessoas muito cumpridoras, tanto do dever profissional, como do atendimento das necessidades familiares e dos deveres religiosos. Não são irresponsáveis, não tem falhas graves. Mas fazem as coisas com uma rotina morna, como que forçados, sem alma. Nunca se renovam! Não se nota que estejam lutando por melhorar; estão sempre na mesma, ou melhor, estão “mofando” na mesma. Seu “cumprir” é um “cumpri-mentir”, para dizê-lo remendando um pensamento de Álvaro del Portillo.
Jesus se refere a eles quando cita estas palavras do profeta Isaías: Este povo somente me honra com os lábios, mas o seu coração está longe de mim (Mt 15,7; Is 29,13). E também quando censura os mornos: Não és nem frio nem quente... Tenho contra ti que arrefeceste o teu primeiro amor(Ap 3,15; 2,4).
Não há virtude “viva” na pessoa rotineira, que não tem amor criativo nem renovação de atitudes.
3) As inclinações temperamentais
Há outros que parecem ter virtudes excelentes, mas que não são virtudes, são apenas bons sentimentos ou inclinações temperamentais. Fazem coisas boas porque lhes “saem” sem esforço, porque correspondem ao seu “natural”, porque lhes são agradáveis e até os divertem. Quantas fachadas simpáticas tem essas características!
Mas, nestes casos, por trás da fachada veem-se dois sinais típicos da falsa virtude:
- O primeiro sinal e que não fazem nada por adquirir “outras” virtudes não sentimentais nem fáceis, e que são muito mais importantes. Pense no homem amável e sociável, pronto para ir visitar um amigo e ajuda-lo a passar um bom momento, mas é preguiçoso, que trabalha mal e não cumpre os compromissos incômodos ou exigentes nem sequer com os amigos.
- O segundo sinal consiste em que eles tem dupla face. Fora de casa, são vazão, por exemplo, à simpatia e a camaradagem temperamentais (por vaidade, ou simplesmente por prazer), mas em casa – onde mais do que o temperamento, é preciso a abnegação – são insuportáveis. Fazem lembrar aquela história do velório de um marido beberrão e violento, que fazia a esposa um saco de pancadas. Os amigos de boteco rodeavam o caixão, compungidos, e comentavam de longe: “Que homem! Grande amigo! Era a amabilidade em pessoa! Sempre pronto para ajudar, bom coração...”. A esposa, ao ouvir isso, arregalou os olhos e pediu ao filho mais novo: - Joãozinho, vá até o caixão e veja se o defunto é mesmo seu pai...”.
Talvez a esses Jesus diria: Sepulcros caiados, que por fora parecem formosos, mas por dentro estão cheios [...] de hipocrisia e de iniquidade (cf.Mt 23, 27-28).
4) As virtudes-fogueira
Finalmente, neste quadro de miragens poderíamos colocar aquelas virtudes que são como uma fogueira de São João. Arde e ilumina durante uma noite. No dia seguinte, só restam cinzas. São febres efêmeras.
Lembro-me do que contavam há bastantes anos algumas pessoas que, infelizmente, foram mobilizadas para participar de uma guerra. Durante os combates, havia jovens soldados que mostravam exemplos espetaculares de bravura, de renúncia, de coragem. Mas, ao chega o tempo de paz, eram incapazes de vencer a pequena batalha de acordar na hora certa para chegar pontualmente às aulas na faculdade.
Também no Evangelho temos exemplos claros disso. São Pedro, na Última Ceia, diz a Jesus, com veemência, de coração: Darei a minha vida por ti! (Jo 13,37), Ainda que seja preciso morrer contigo, não te renegarei! (Mc 14,31). Horas depois, não consegue nem acompanhar Jesus na oração no Horto, e o Senhor tem que lhe dizer: Simão, dormes? Não pudeste vigiar comigo uma hora? (Mc 14,37). E, após a prisão de Cristo, foge e nega-O três vezes. Tinha virtude emocional, ardor de bons sentimentos, mas faltava-lhe a firmeza da verdadeira virtude.
São muito apreciáveis essas virtudes emotivas, mas só elas – por mais sentidas que sejam – não fazem santos nem bons cristãos. O bom perfume das virtudes cristãos, como lembra São Josemaria, «faz-se sentir entre os homens, não pelas labaredas de um fogo de palha, mas pela eficácia de um rescaldo de virtudes: a justiça, a lealdade, a fidelidade, a compreensão, a generosidade, a alegria» (É Cristo que passa, n. 36).
Fonte: Faus, Francisco. A Conquista das Virtudes / Francisco Faus – São Paulo : Cultor de Livros, 2014. p.13-17.


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