domingo, 26 de fevereiro de 2017

Reparação pelos pecados do Carnaval: A Santa Missa é a melhor reparação - Padre Daniel Pinheiro (Sermão)

Em nome do Pai…
Ave Maria…

Caros católicos, lá está Nosso Senhor abandonado no Jardim das Oliveiras, sem ninguém para vigiar com Ele, sem ninguém que o acompanhe na oração. Aqueles que Ele veio salvar, o traem, se entregando, sem hesitação ao pecado. E nós, que dizemos ser discípulos dEle, dormiremos ou acompanharemos Jesus em sua agonia pelos pecados abomináveis cometidos durante o carnaval? Se um só pecado ofende a Deus, o que dizer do carnaval em que tantos e tão torpes pecados se concentram em tão pouco tempo? É bem verdade que em nossa sociedade vivemos praticamente um carnaval constante. Sem dúvida, porém, nesse tempo em que a razão é deixada de lado, em que a lei divina é deixada de lado pelos homens, as ofensas chegam ao extremo.

Pelos pecados impuros, o homem se assemelha aos animais brutos, que buscam uma satisfação sem causa, sem motivo, irracional. Por um momento de satisfação se perde o céu e se merece o inferno, por tão pouca coisa. Se não vale perder a alma pelo mundo inteiro, quanto mais por um pecado torpe, caros católicos. Nossa razão nos mostra e a Revelação nos confirma que esses atos devem estar voltados para a procriação, e para a procriação dentro do matrimônio indissolúvel, entre um homem e uma mulher, para que se eduquem bem os filhos.

Pelos pecados em geral e pelos pecados do carnaval, em particular, se ofende a Deus criador, se ofende a Deus legislador, a Deus que se fez homem para nos salvar. Deus detesta tanto o pecado e ama tanto a santidade, que, para destruí-lo, não recusou morrer na Cruz, sofrendo imensamente. Deus amou tanto o mundo que Ele enviou seu próprio Filho. E Cristo, Filho de Deus, nos amou tanto que morreu na Cruz para nos tirar do pecado… O próprio Deus que entrega sua vida por nós… E nós recusamos essa salvação por nossos crimes, por nossos pecados, por nossos caprichos… E como nós somos rápidos para pecar e ofender a Deus e como somos lentos para nos arrepender e reparar pelos nossos pecados.

Prezados católicos, precisamos reparar pelos nossos pecados e pelos pecados do nosso próximo. Precisamos desagravar o Sagrado Coração de Cristo do peso dos pecados. Como fazer para reparar pelos pecados do carnaval, para desagravar o Coração de Cristo? Reparar nada mais é do que oferecer à pessoa ofendida o que lhe agrada mais do que a ofensa lhe desagradou. Como reparar pelo pecado mortal, incessantemente cometido durante o carnaval? O pecado mortal é uma ofensa infinita a Deus? Como podemos nós, pobres seres humanos e, portanto, finitos, limitados, reparar por tantas ofensas infinitas? Existe uma só solução. Devemos nos unir a Cristo, pois Cristo, sendo homem e Deus, agrada infinitamente a Deus. Assim, caros católicos, em união com Cristo, quer dizer, em estado de graça, e com desejo de agir por amor a Deus, poderemos imitar Santa Maria Madalena de Pazzi, que passava as noites inteiras do carnaval diante do Santíssimo oferecendo a Deus o sangue de Cristo pelos pobres pecadores – espero que possamos fazer isso no ano que vem, com a tradicional devoção das 40 horas de adoração ao Santíssimo durante o carnaval. Unidos a Cristo, poderemos imitar o Bem-aventurado Henrique Suso, que durante o carnaval guardava um jejum rigoroso, a fim de expiar as intemperanças cometidas. Unidos a Cristo, poderemos imitar São Carlos Borromeu, que durante o carnaval, castigava seu corpo com penitências. Unidos a Cristo poderemos imitar São Felipe Neri, que visitava o santuário e fazia exercícios espirituais. Unidos a Cristo, poderemos imitar os santos, procurando santificar ao máximo esse tempo em que se cometem tantas e tantas abominações.

Todavia, caros católicos, a melhor reparação está aqui, diante de nós: a Santa Missa. Aqui é o próprio Cristo que repara pelos pecados, é o próprio Cristo que é oferecido em expiação pelos pecados. Sem a Santa Missa, já teríamos merecido há muito tempo o castigo de um dilúvio ou de uma destruição equivalente à de Sodoma e Gomorra. É a Santa Missa, o sacrifício de Cristo renovado no altar, que impede castigo semelhante.

Essa reparação pela Santa Missa, porém, será plena, de nossa parte, se nos oferecermos juntamente com Cristo durante a Missa. Nos oferecermos não somente com palavras, da boca para a fora, mas nos oferecermos realmente, com tudo o que somos e temos, oferecendo-nos sem reservas, para que Cristo faça conosco segundo a sua vontade, para que possamos reparar pelos pecados, nossos e do nosso próximo. Ofereçamo-nos, então, junto com Cristo durante a Santa Missa, em reparação pelos pecados do carnaval.

E peçamos muitas vezes nesses dias: Meu Jesus, misericórdia.

Em nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo. Amém.

Fonte: Blog São Pio V.

sábado, 25 de fevereiro de 2017

A Paixão de Jesus Cristo e os divertimentos do carnaval.


Consummabuntur omnia, quae scripta sunt per prophetas de filio hominis — “Será cumprido tudo o que está escrito pelos profetas, tocante ao Filho do homem” (Luc. 18, 31).

Sumário. Não é sem uma razão mística que a Igreja propõe hoje à nossa meditação Jesus Cristo predizendo a sua dolorosa Paixão. A nossa boa Mãe deseja que nós, seus filhos, nos unamos a ela, para compadecermos do seu divino Esposo, e o consolarmos com os nossos obséquios, ao passo que os pecadores, nestes dias mais do que em outros tempos, lhe renovam todos os ultrajes descritos no Evangelho. Quer ela também que roguemos pela conversão de tantos infelizes, nossos irmãos. Não temos por ventura bastantes motivos para isso?

I. Não é sem razão mística que a Igreja propõe hoje à nossa meditação Jesus Cristo predizendo a sua dolorosa Paixão. Deseja a nossa boa Mãe que nós, seus filhos, nos unamos a ela na compaixão de seu divino Esposo, e o consolemos com os nossos obséquios; porquanto os pecadores, nestes dias mais do que em outros tempos, lhe renovam os ultrajes descritos no Evangelho.

Tradetur gentibus — “Ele vai ser entregue aos gentios”. Nestes tristes dias os cristãos, e quiçá entre eles alguns dos mais favorecidos, trairão, como Judas, o seu divino Mestre e o entregarão nas mãos do demônio. Eles o trairão, já não às ocultas, senão nas praças e vias públicas, fazendo ostentação de sua traição! Eles o trairão, não por trinta dinheiros, mas por coisas mais vis ainda: pela satisfação de uma paixão, por um torpe prazer, por um divertimento momentâneo!

Illudetur, flagellabitur et conspuetur — “Ele será mortejado, flagelado e coberto de escarros”. Uma das baixezas mais infames que Jesus Cristo sofreu em sua Paixão, foi que os soldados lhe vendaram os olhos e, como se ele nada visse, o cobriram de escarros, e lhe deram bofetadas, dizendo: Profetiza agora, Cristo, quem te bateu? Ah, meu Senhor! Quantas vezes esses mesmos ignominiosos tormentos não Vos são de novo infligidos nestes dias de extravagância diabólica? Pessoas que se cobrem o rosto com uma máscara, como se Deus assim não pudesse reconhecê-las, não têm pejo de vomitar em qualquer parte palavras obscenas, cantigas licenciosas, até blasfêmias execráveis contra Santo Nome de Deus! — Et postquam flagellaverint, occident eum — “Depois de o terem açoitado, o farão morrer”. Sim, pois se, segundo a palavra do Apóstolo, cada pecado é uma renovação da crucifixão do Filho de Deus, ah! Nestes dias Jesus será crucificado centenas e milhares de vezes.

É exatamente isto que Jesus Cristo quis dizer a Santa Gertrudes aparecendo-lhe num domingo de Qüinquagésima, todo coberto de sangue, com as carnes rasgadas, na atitude do Ecce Homo, e com dois algozes ao lado, os quais lhe apertavam a coroa de espinhos e o batiam sem piedade. Ah! Meu pobre Senhor!

II. Refere o Evangelho em seguida, que, aproximando-se Jesus de Jericó, um cego estava sentado à beira da estrada e pedia esmolas. Ouvindo passar a multidão, perguntou o que era. Sabendo que passava Jesus de Nazaré, apesar de a gente o ralhar, a fim de que se calasse, não cessava de gritar: Jesus, Filho de Davi, tende piedade de mim (1). Por isso mereceu que, em recompensa de sua fé, o Senhor lhe restituísse a vista: Fides tua te salvum fecit — “A tua fé te valeu”.

Se quisermos agradar ao Senhor, eis aí o que também nós devemos fazer. Imitemos a fé daquele pobre cego, e neste tempo de desenfreada licença, enquanto os outros só pensam em se divertir com prazeres mundanos, procuremos estar, mais que de ordinário, diante do Santíssimo Sacramento. Não nos importemos com os escárnios do mundo, lembrando-nos do que diz São Pedro Crisólogo. Qui iocari voluerit cum diabolo, non poterit gaudere cum Christo — “Quem quiser brincar com o demônio, não poderá gozar com Cristo”. Quando nos acharmos em presença de Jesus no tabernáculo, peçamos-lhe luz para detestarmos as ofensas que o magoam tão profundamente. Peçamos-lhe não somente para nós mesmos, senão também para tantos irmãos nossos desviados: Domine, ut videam — “Senhor, fazei-me ver”.

Amabilíssimo Jesus, Vós que sobre a cruz perdoastes aos que Vos crucificaram, e desculpastes o seu horrendo pecado perante o vosso pai, tende piedade de tantos infelizes que, seduzidos pelo Espírito da mentira, e com o riso nos lábios, vão neste tempo de falso prazer e de dissipação escandalosa, correndo para a sua perdição. Ah! Pelos merecimentos de vosso divino sangue, não os abandoneis, assim como mereceriam, Reservai-lhes um dia de misericórdia, em que cheguem a reconhecer o mal que fazem e a converter-se. — Protegei-me sempre com a vossa poderosa mão, a fim de que não me deixe seduzir no meio de tantos escândalos e não venha a ofender-Vos novamente. Fazei que eu me aplique tanto mais aos exercícios de devoção, quanto estes são mais esquecidos pelos iludidos filhos do mundo. “Atendei, Senhor, benigno às minhas preces, e soltando-me das cadeias do pecado, preservai-me de toda a adversidade.”(2) † Doce Coração de Maria, sêde minha salvação.


---------------
1. Luc. 18, 38.
2. Or. Dom. curr.


(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo I: Desde o Primeiro Domingo do Advento até a Semana Santa inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 279 - 282.)
Créditos: Blog São Pio V

Da gratidão para com as Dores de Maria Santíssima - Santo Afonso Maria de Ligório


Honora patrem tuum: et gemitus matris tuae ne obliviscaris — “Honra a teu pai e não te esqueças dos gemidos de tua mãe” (Eccles. 7, 29).

Sumário. Posto que a morte de Jesus Cristo fosse suficiente para remir uma infinidade de mundos, quis todavia a Santíssima Virgem, pelo amor que nos tem, cooperar para a nossa salvação, preferindo sofrer toda espécie de dores a ver nossas almas sem redenção e na antiga perdição. É nosso dever respondermos a tamanho amor da Rainha dos Mártires, ao menos pela compaixão de suas dores e pela imitação de seus exemplos.

I. São Boaventura, contemplando a divina Mãe ao pé da Cruz para assistir à morte de seu Filho, volve-se para ela e lhe diz: Senhora, porque quisestes vós também sacrificar-vos sobre o Calvário? Não bastava, por ventura, para nossa redenção um Deus crucificado, que quisésseis ser crucificada também vós sua Mãe? Non sufficiebat Filii passio, nisi crucifigeretur et Mater? — Ah certamente bastava a morte de Jesus para salvar o mundo e ainda infinitos mundos; mas, pelo amor que nos tem nossa boa Mãe quis também concorrer para a nossa salvação, pelos merecimentos de suas dores, que ofereceu por nós no Calvário.

Por isso diz o Bem-aventurado Alberto Magno, que, assim como somos obrigados a Jesus pela Paixão que quis sofrer por nosso amor, assim também somos obrigados a Maria pelo martírio, que na morte do Filho quis espontaneamente padecer pela nossa salvação. — Acrescento espontaneamente, porque, como revelou o Anjo a Santa Brígida, esta nossa tão piedosa e benigna Mãe antes quis sofrer todas as penas do que ver as almas privadas da redenção e deixadas na antiga miséria.

A bem dizer, foi este o único alívio de Maria, no meio de sua grande dor pela paixão do Filho: o ver com a sua morte remido o mundo perdido e reconciliados com Deus os homens seus inimigos. Mas, infelizmente, esse único alívio da Santíssima Virgem foi-lhe amargurado pela previsão que, se a morte de Jesus havia de ser para muitos a causa de ressurreição e de vida, para muitos outros seria por própria culpa causa de maior ruína e de morte eterna: Ecce positus est hic in ruinam et in resurrectionem multorum in Israel (2) — “Eis que este está posto para ruína e para ressurreição de muitos em Israel”.

II. Tão grande amor de Maria em unir ao sacrifício da vida do Filho o de seu próprio coração, bem merece a nossa gratidão; e a nossa gratidão consista em meditarmos e nos compadecermos das suas sores. Mas disto exatamente queixou-se ela com Santa Brígida: “Minha filha”, disse-lhe, “quando considero os cristãos que vivem no mundo, para ver se há quem se compadeça de mim e se lembre de minhas dores, acho bem poucos, ao passo que a maior parte deles se esquecem por completo. Por isso quero que tu ao menos delas te lembres e nelas medites muitas vezes, e compadecendo-te de mim, procures, quanto for possível, imitar a minha resignação em padecê-las: Vide dolorem meum, et imitare quantum potes et dole.” — Meu irmão, imaginemos que a divina Mãe nos fala da mesma maneira, particularmente nestes dias do carnaval, em que os pecadores renovam tantas vezes a crucifixão de Jesus e por conseguinte também as dores de Maria.

Ó minha dolorosa Mãe, vós tanto chorastes o vosso filho, morto pela minha salvação; mas que me aproveitarão as vossas lágrimas, se eu me condeno? Pelos merecimentos, pois, das vossas dores, alcançai-me uma verdadeira dor dos meus pecados, uma verdadeira emenda de vida, com uma perpétua e tenra compaixão da Paixão de Jesus e das vossas dores. Se Jesus e vós, sendo tão inocentes, tanto tendes padecido por mim, alcançai-me que eu, réu do inferno, padeça também alguma coisa por vosso amor.

Finalmente, ó minha Mãe, pela aflição que experimentastes, vendo diante de vossos olhos os vosso Filho, entre tantas penas, inclinar a cabeça e expirar sobre a Cruz, vos suplico que me alcanceis uma boa morte. Ah, advogada dos pecadores, não deixeis de assistir à minha alma aflita e combatida, na grande passagem que terá de fazer para a eternidade. E porque é fácil ter eu então perdido a fala e a voz para invocar o vosso nome e o de Jesus, em que ponho todas as minhas esperanças, rogo desde agora a vosso Filho, vosso Esposo e a vós, que me socorrais naquele último momento, e digo: † Jesus, Maria e José, expire a minha alma em paz em vossa companhia (3). (*I 229.)
----------
1. Se entre a Epifania e a Septuagésima só houve três semanas, os devotos de Maria Santíssima poderão tomar hoje a meditação sobre Maria Santíssima modelo da esperança, pag. 205.
2. Luc. 2, 34.
3. Indulg. de 100 dias, cada vez.

(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo I: Desde o Primeiro Domingo do Advento até a Semana Santa inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 259 - 262.)
Créditos: São Pio V

Para os dias de Carnaval: O pecador não quer obedecer a Deus - Santo Afonso


A saeculo confregisti iugum meum, rupisti vincula mea, et dixisti: non serviam — “Quebraste desde o princípio o meu jugo, rompeste os meus laços, e disseste: não servirei” (Ier. 2, 20).

Sumário. Grande Deus! Todas as criaturas obedecem a Deus, como a seu supremo Senhor; os céus, a terra, o mar, os elementos obedecem-lhe de pronto ao menor sinal. E o homem, mais amado e privilegiado de Deus do que todas essas criaturas, não quer obedecer-lhe, e cada vez que peca, diz por suas obras com inaudita temeridade a Deus: Senhor, não Vos quero servir — Confregisti iugum meum, dixisti: non serviam. Irmão meu, é isso o que tu também fizeste, se jamais tiveste a desgraça de pecar.

I. Grande Deus! Todas as criaturas obedecem a Deus como ao seu soberano Senhor; os céus, a terra, o mar, os elementos obedecem-Lhe de pronto ao menor sinal. E o homem, mais amado e privilegiado de Deus do que todas essas criaturas, não Lhe quer obedecer, e cada vez que peca, diz, por suas obras, com inaudita temeridade a Deus: Senhor, não Vos quero servir. Confregisti iugum meum, dixisti: non serviam — “Quebraste o meu jugo e disseste: não servirei”.

O Senhor lhe diz: não te vingues, e o homem responde: quero vingar-me; — não te aposses dos bens alheios: quero apossar-me deles; — abstém-te desse prazer desonesto: não quero abster-me. O pecador fala a Deus do mesmo modo que o Faraó, quando Moisés lhe levou da parte de Deus a ordem de restituir o seu povo à liberdade. Aquele temerário respondeu: quem é esse Senhor, para que eu ouça a sua voz? Não conheço o Senhor (1). O pecador diz a mesma coisa: Senhor, não Vos conheço, quero fazer o que me agrada. Numa palavra, ultraja-O face a face, e volta-Lhe as costas. No dizer de Santo Tomás, é isso exatamente o pecado mortal: o voltar às costas a Deus, o Bem incomutável. É disso também de que o Senhor se queixa: Tu religuisti me, dicit Dominus; retrorsum abiisti (2). Foste ingrato, assim fala Deus, porque me abandonaste, ao passo que eu nunca te teria abandonado: retrorsum abiisti, voltaste-me as costas.

Deus declarou que odeia o pecado; portanto não pode deixar de odiar igualmente a quem o comete. E o homem, quando peca, ousa declarar-se inimigo de Deus e resiste-lhe na face: Contra Omnipotentem roboratus est — “ele se fez forte contra o Todo-poderoso”, diz Jó (3). O mesmo santo varão acrescenta que levanta o colo: isto é, o orgulho, e corre para insultar a Deus: arma-se com uma testa dura, isto é, com ignorância, e diz: Quid feci? Que é que fiz? Onde está o grande mal que fiz pecando? Deus é misericordioso; perdoa aos pecadores. Que injúria! Que temeridade! Que insensatez!

II. Irmão meu, se nós também no passado quebramos o jugo suave do Senhor, e recusando-Lhe a obediência tornamo-nos escravos do demônio, peçamos agora, humilhados e contritos, perdão de nossos pecados; esforcemo-nos, com o nosso arrependimento, e com os nossos obséquios, em reparar um pouco as muitas ofensas que, particularmente nestes dias de carnaval, são feitas a nosso Pai celestial.

Eis aqui a vossos pés, meu Deus, o rebelde, o temerário que tantas vezes teve a audácia de Vos injuriar no rosto e de Vos voltar às costas, mas que agora Vos pede misericórdia. Vós dissestes: Clama ad me, et exaudiam te (4) — “Clama a mim e eu te atenderei”. Um inferno ainda é pouco para mim: confesso-o; mas sabeis que tenho mais dor por Vos haver ofendido, ó Bondade infinita, do que se houvesse perdido todos os meus bens e a vida. Ah! Meu Senhor; perdoai-me e não permitais que Vos torne a ofender. Vós por mim esperastes, a fim de que bendiga para sempre a vossa misericórdia, e Vos ame. Sim, bendigo-Vos, amo-Vos e espero pelos merecimentos de Jesus Cristo, nunca mais separar-me do vosso amor. Foi o vosso amor que me livrou do inferno, esse mesmo amor deve livrar-me do pecado no futuro.

Agradeço-Vos, meu Senhor, estas luzes e o desejo que me inspirais de sempre Vos amar. Peço-Vos que tomeis plena posse de mim, de minha alma, de meu corpo, das minhas faculdades, dos meus sentidos, de minha vontade e da minha liberdade: Tuus sum ego, salvum me fac (5) — “Eu sou vosso; salvai-me”. Vós que sois o único bem, o único amável, sêde também o meu único amor. Dai-me fervor em Vos amar. Já Vos ofendi muito; portanto não me posso contentar com amar-Vos simplesmente; quero amar-Vos muito para compensar as injúrias que Vos fiz. De Vós espero esta graça porque sois todo-poderoso; espero-a também, ó Maria, das vossas orações, que são todo-poderosas para com Deus. (*II 68.)
----------
1. Ex. 5, 2.
2. 3 Reg. 12, 28.
3. Iob. 15, 25.
4. Ier. 33, 3.
5. Ps. 118, 94.

(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo I: Desde o Primeiro Domingo do Advento até a Semana Santa inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 252 - 254.)
Créditos: Blog São Pio V

O recado de uma freira católica aos foliões de Carnaval


Aos cristãos que aproveitam a festa do Carnaval para cair na farra e na bebedeira, Madre Angélica tem um recado importante para passar.


São conhecidas as sentenças dos santos da Igreja sobre o tempo do Carnaval. Elas estão espalhadas na Internet e deveriam formar todos aqueles que se dizem católicos. Para citar um só exemplo, vindo da terra do santo Papa João Paulo II, vejamos o que diz Santa Faustina Kowalska sobre esses dias de festa e aparente alegria:
"Nestes dois últimos dias de carnaval, conheci um grande acúmulo de castigos e pecados. O Senhor deu-me a conhecer num instante os pecados do mundo inteiro cometidos nestes dias. Desfaleci de terror e, apesar de conhecer toda a profundeza da misericórdia divina, admirei-me que Deus permita que a humanidade exista." (Diário, 926)
Essa apóstola da Divina Misericórdia escrevia tais palavras ainda na primeira metade do século XX. Hoje, passados já mais de 100 anos, não há dúvidas de que os festejos carnavalescos pioraram muito. Se a revelação recebida por Faustina fê-la "desfalecer de terror", com que tristeza não deveríamos reagir ao quadro que, agora, infelizmente, todos podemos ter diante dos olhos, graças ao alarde dos meios de comunicação! Se, com um só Carnaval do século passado, uma santa se admirava por Deus permitir que a humanidade existisse, o que dizer dos festivais que se repetem, ano após ano, aumentando mais e mais a sua malícia — a ponto de a ala de uma escola de samba anunciar, este ano, "que terá 40 casais simulando sexo na Avenida"?
Mas nós, infelizes que somos, perdemos a noção do que seja o pecado. A ofensa cometida a Deus tornou-se para os nossos contemporâneos uma trivialidade, algo banal. Os homens e mulheres de nosso tempo não estão minimamente preocupados com mandamento algum: embebedam-se fim de semana sim e outro também; têm sexo quando, como e com quem bem entendem; e, pior do que tudo isso, criam os filhos que têm, frutos do acaso, para viverem as mesmas coisas que eles vivem. Em resumo, e é esta a grande tragédia de nossa época, o homem moderno transformou a sua vida em uma festa de Carnaval prolongada. Que as pessoas vivam 4 dias de festas indecentes uma vez por ano, é escandaloso; mas que passem as 4 idades de sua vida na mesma situação, é uma tragédia muito pior.
O quadro é horrendo, mas a pergunta que devemos fazer nós, que estamos no mundo sem sermos do mundo, é como acordar essas pessoas, que convivem conosco no dia a dia e até que fazem parte de nossa família. Qual a melhor forma de convertê-las e tirá-las do abismo em que se acham?
Uma sugestão que muitas vezes o Padre Paulo Ricardo lança em suas pregações é mostrar para os pecadores como eles são infelizes na vida que levam. Para aqueles que estão cegos e apaixonados pelas coisas do mundo, será muitas vezes inútil repetirmos o velho sermão dos santos — embora não o devamos subestimar, absolutamente. Com muita frequência, no entanto, as palavras deles só costumam funcionar para "os de dentro", que já têm o mínimo de temor de Deus. Para quem "está fora", muito mais eficaz é apontar para a tristeza que mora nos corações afastados do Senhor: onde estão, na Quarta-feira de Cinzas, os sorrisos e as gargalhadas que desfilaram na Sapucaí? Para onde foram tantas energias gastas pelo prazer, pela roupa mais exuberante, por mais um gole de bebida?
É mais ou menos esse o quadro que pinta, no vídeo acima, a grande comunicadora católica Madre Angélica, falecida ano passado (2016), nos Estados Unidos. No excerto em questão, a religiosa bem-humorada mistura com a estratégia do "olha para ti mesmo" a tradicional pregação cristã sobre o pecado, o escândalo, a penitência e o inferno, à semelhança do pai de família do Evangelho "que tira do seu baú coisas novas e velhas" ( Mt 13, 52).
Que as suas palavras possam cair, de alguma forma, nos corações afastados de Cristo e da sua Igreja. Para os que entendem inglês, vale a pena assistir ao episódio completo de onde foi extraído esse vídeo: o programa foi ao ar no dia 2 de março de 1999, e fala sobre as "observâncias quaresmais".
Por Equipe Christo Nihil Praeponere

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

[Sermão/Carnaval] Consideração sobre as consequências da luxúria


Sermão na Festa da Aparição da Virgem Maria em Lourdes
11 de fevereiro de 2013 – Padre Daniel Pinheiro

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém. Ave-Maria…

No sábado passado consideramos a bondade divina, e alguns dos benefícios que nos ela nos fez, desde a nossa criação até a honra a que nos elevou, a honra de filhos adotivos de Deus, a honra de participar da própria vida da Santíssima Trindade, indo até a morte do Verbo Encarnado da Cruz. Hoje, ao contrário, vamos considerar as consequências da luxúria, ou seja, as consequências desse pecado capital – o principal cometido durante o carnaval – que se opõe ao sexto e ao nono mandamentos.

Um pecado capital é na verdade um vício. Um pecado capital não é uma ação isolada. O pecado capital é uma disposição bem enraizada na alma para operar mal, para agir contra a razão e contra Deus. Portanto, se alguém peca uma vez contra o sexto mandamento, peca gravemente, mas não está ainda atingido pelo vício, pois um ato só não cria uma disposição bem enraizada na alma. Se a pessoa comete várias vezes os mesmos pecados, ela terá em sua alma uma disposição para cometê-los, ela terá, então, um vício. O vício ou um pecado capital não é um pecado em si, mas é uma inclinação forte para cometer certo tipo de pecado. E certos vícios são chamados de vícios capitais ou pecados capitais justamente porque são a cabeça de muitos outros pecados, gerando-os com grande facilidade. Portanto, quando pecamos, é preciso que nos corrijamos imediatamente, e se se trata de pecado grave, confessando-nos. Primeiro, para obter o perdão divino, recobrar a graça e voltar a merecer o céu. Segundo, para que não adquiramos o vício relativo a esse pecado, pois vencer um vício é, evidentemente, muito mais difícil.

O pecado ou vício capital de que tratamos hoje é o da luxúria. É o principal do carnaval. E não somente do carnaval. Hoje, infelizmente, em nossa sociedade ele é onipresente. A luxúria diz respeito à deleitação venérea desordenada. Diz respeito, portanto, à deleitação venérea desordenada – aquela que se opõe à razão, à lei natural e à lei divina – em atos, pensamentos consentidos ou olhares consentidos. Ela se refere, portanto, a essa deleitação venérea fora do matrimônio, ou dentro dele, mas contra a finalidade primária do matrimônio, que é a procriação.

Como dissemos, o pecado capital recebe esse nome justamente porque ele é a cabeça de várias outras desordens. São gravíssimas as desordens geradas pela luxúria. Para compreender como essas consequências ocorrem, é preciso ter em mente que a alma humana é una e que, portanto, quando uma de nossas faculdades se aplica com veemência a alguma coisa, as outras faculdades não podem se aplicar ao seu próprio objeto. Por isso, alguém que estuda ouvindo musica, ou ouvirá a música, ou estudará ou fará as duas coisas mal feitas, pois a alma sendo una, não pode se aplicar com veemência a duas coisas distintas. Assim, é óbvio que quando a alma está manchada com o vício da luxúria, as faculdades superiores – a inteligência e a vontade – são gravemente prejudicadas, pois as faculdades inferiores se aplicam com veemência ao seu objeto de forma contrária à razão.

Vejamos, então, as filhas da luxúria, segundo São Tomás. A primeira delas, na ordem da inteligência, é a cegueira do espírito. A alma passa a julgar as coisas não mais pela razão, e tais como elas são, mas segundo a paixão, segundo suas inclinações. Isso a impede de conhecer a verdade, ao menos plenamente ou como poderia conhecê-la. A consequência é o erro na apreciação da realidade. Daí a cegueira diante das realidades eternas e mesmo a perda do bom senso. A pessoa passa a julgar as coisas como ela quer e não como as coisas são. A pessoa já não consegue discernir o bem do mal. Por isso, o Profeta Daniel diz a um dos velhos que cobiçaram Suzana: A formosura seduziu-te e a concupiscência perverteu-te o coração.

A segunda filha da luxúria é a precipitação. A precipitação consiste em agir segundo o ímpeto da vontade ou da paixão, e não sob a direção da razão que busca agir somente após a devida consideração, reflexão e ponderação, considerando a realidade das coisas, considerando a própria experiência, a experiência dos antigos, o ensinamento dos outros, etc. A precipitação despreza tudo isso para agir sob o ímpeto da paixão ou da vontade. O homem precipita a sua ação antes de considerar todas essas coisas.

A terceira filha da luxúria é a inconsideração, pela qual a pessoa não consegue julgar corretamente os meios que deve empregar para agir bem.

A quarta filha da luxúria é a inconstância. Apegada às deleitações desordenadas, a alma pode até chegar a reconhecer o que é bom, ela considera o que deve fazer e se propõe a fazê-lo, mas não passa à ação, impedida pelo ímpeto da concupiscência desordenada, que lhe tira o vigor para agir bem.

A quinta filha da luxúria, agora na ordem da vontade, é o amor desordenado de si mesmo, pois a deleitação irracional da luxúria é um egoísmo. A pessoa se opõe a Deus, se opõe ao próximo, se opõe à sociedade, para ter uma satisfação instantânea.

A sexta filha é o ódio a Deus, por oposição ao amor desordenado de si. A pessoa quer tanto cometer esses pecados que ela passa a odiar Deus, que a proíbe de fazer tais coisas.

A sétima filha é o apego à vida presente, na qual a pessoa quer permanecer a todo custo para continuar com suas deleitações desordenadas.

A oitava filha, por oposição, ao apego à vida presente é o desespero com relação à vida futura, pois a pessoa afetada demasiadamente pelas deleitações carnais desordenadas não cuida das coisas espirituais, mas se aborrece com elas e desespera de sua salvação.

Poderíamos, ainda, citar outras filhas da luxúria que São Tomás não cita. Poderíamos citar a efeminização da sociedade, no sentido técnico da palavra, que significa o fato de seguir as suas paixões sem combatê-las, formando nas pessoas um caráter fraco, e nos homens um caráter sem virilidade alguma, pois é preciso ter em mente que a virilidade do homem consiste justamente no combate às paixões desordenadas, em particular no combate à luxúria. O homem verdadeiramente viril é um homem casto. O homem que não é casto, por mais que não seja homossexual é efeminado, no sentido em que dissemos. A luxúria gera também o assassinato: o aborto. E leva à eutanásia. Se a pessoa já não pode gozar a vida, melhor que morra. A luxúria bestializa o homem.

Podemos ver, então, porque a luxúria é um pecado capital. Nós vemos hoje onipresentes todas as filhas da luxúria em nossa sociedade. A cegueira da mente, pela perda do bom senso de nossos contemporâneos, pela perda do julgamento do que é certo e do que é errado, a disseminação do erro em todas as esferas. A falta total de reflexão de nossos contemporâneos, que agem por ímpeto, por paixão, por sentimento, sem pensar na sabedoria dos antigos, sem pensar, em particular, naquilo que a Igreja e os Santos ensinam. Podemos ver também que quando alguém chega a refletir, não consegue levar em conta os verdadeiros elementos, em particular a vida sobrenatural, e não consegue fazer um juízo correto de como deve agir. Vemos a falta de determinação das pessoas em suas decisões, a sua falta de constância em fazer o verdadeiro bem e perseverar neles. Vemos também o egoísmo reinante e vemos o ódio crescente a Deus e a sua Igreja, que combate justamente contra esse vício. Muitas das leis iníquas, opostas à lei de Deus e sua Igreja têm sua origem próxima nesse vício. Vemos, claramente, o apego à vida presente e a onipresente necessidade de curtir a vida e o aborrecimento total para com as coisas do alto. Vemos o desespero reinante em nossa sociedade, que tenta a todo custo prolongar ao máximo a vida dos homens aqui na terra, esquecendo que nossa pátria é o céu.

Alguém que possui o pecado capital da luxúria deve combatê-lo. Antes de tudo, rezando bastante, tendo uma vida de oração. É preciso rezar quando vêm a tentação, as imaginações ruins, os pensamentos ruins. É preciso, nesse momento, desviar o pensamento para outra coisa boa, lícita, se possível santa, que possa ocupar inteiramente nossa imaginação e nosso pensamento. Em seguida, é preciso evitar as ocasiões de pecado, as situações, os ambientes, as pessoas que levam a cometer tais pecados. Em particular, é preciso ter extremo cuidado com os meios de comunicação modernos: internet, televisão. Só se deve acessar internet quando há um objetivo bem definido e deve-se sair quando o atingimos. Ficar navegando à toa e sem rumo dificilmente acaba bem. É preciso mortificar-se, mesmo em coisas lícitas, pois isso facilitará muito evitar coisas ilícitas. É preciso mortificar os sentidos, sobretudo os olhos, tentando mantê-los abaixados quando saímos de casa e evitando a curiosidade, evitando ver tudo o que acontece ao nosso redor. Devemos ser moderados e mortificar-nos na comida e no beber. O comer pertence, como a deleitação venérea, ao apetite concupiscível, de forma que a desordem em um provoca a desordem no outro, enquanto a virtude em um favorece a virtude no outro. É preciso fazer atos de fé, de esperança e de caridade. Aquele que tem esse vício não deve desesperar, mas deve empregar todos esses meios com verdadeira determinação. É preciso frequentar com assiduidade os sacramentos da comunhão e da penitência para evitar as quedas futuras. Se por fraqueza cair, é preciso buscar se confessar o mais rápido possível, com verdadeira contrição, bem entendido. É preciso considerar as consequências desse pecado: a perda do céu, o merecimento do inferno, a ofensa infinita a Deus. Tudo isso por um instante de satisfação. Nessa matéria, o ser humano é muito fraco. Se ele confia demais em si mesmo, terminará caindo. É preciso desconfiar de si mesmo, sobretudo nessa matéria, empregando os meios mencionados e confiando muito em Deus, rezando bastante. E, claro, é indispensável uma terna devoção a Nossa Senhora.

São graves as consequências da luxúria. Uma sociedade, como a nossa, em que a luxúria é rainha e que favorece sobremaneira a luxúria está destinada à ruina. Nenhuma sociedade pode se sustentar quando está fundada no erro, na precipitação, na inconsideração, na inconstância, no amor a si mesma, no ódio a Deus, no apego à vida presente e no desespero das coisas do alto. Para chegarmos a uma sociedade inimiga de Deus, bastou ao demônio favorecer a luxúria.

Portanto, o carnaval destrói a sociedade. Uma sociedade que passa o ano inteiro se preparando para o Carnaval é uma sociedade arruinada. Um carnaval constante como, na verdade, vivemos em nosso país e no mundo todo é a destruição de nossa sociedade. Uma sociedade fundada na areia não pode subsistir. Peçamos a Deus que tenha piedade de nós e de nosso Brasil, para que nosso país volte a cumprir as promessas de seu batismo, feitas quando da vinda dos missionários portugueses. Que nosso Brasil volte a ser a Terra de Santa Cruz. Rezemos à Nossa Senhora de Lourdes, que festejamos hoje e à Nossa Senhora Aparecida.

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

Fonte: Missa Tridentina em Brasília

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

Michael Voris - Virilidade Roubada


A vocação ao celibato, a masculinidade transcendente

Texto retirado do excelente site http://www.brav.us/

Por Diego Amaya Vasquez, Chile.
Texto original em espanhol, tradução nossa (Brav.us)

Se uma pessoa qualquer escutar a palavra “celibato”, em sua mente virá, imediatamente, a vida sacerdotal ou consagrada, mas, jamais ousaria relacioná-la à vida laica, o que, na vida da Igreja, sempre foi uma realidade presente. Atualmente a palavra celibato é motivo de riso e chacota. Muitos outros erram ao confundir o celibato com a continência (ou abstinência). Por esse motivo, é necessário seguir um processo definido para tratar corretamente esse tema: começaremos definindo, distinguindo, para, então, aplicar este tema na prática. Tentaremos, ao longo deste texto, responder às seguintes questões:

a) O que é o celibato?
b) Para que o celibato?
c) Por que o celibato?
d) A quem o celibato é destinado?

Além disso, buscaremos demonstrar algumas conclusões práticas para o nosso tempo, durante o simples e superficial desenvolvimento deste tema, de acordo com os limites deste artigo.

O que é o celibato?

a) Em primeiro lugar, o celibato, no sentido cristão, não é simplesmente “não estar casado”, e não é um desprezo do matrimônio. Não é um vilipêndio da carnalidade, nem significa reprimir aquilo que no homem é tão veemente e que Deus inseriu na natureza humana como um meio de santificação com exercício no interior do matrimônio. São João Paulo II afirmava “Quando a sexualidade humana não é considerada um grande valor dado pelo Criador, perde-se o significado da renúncia pelo Reino dos Céus”1. Por muitos anos temos presenciado como o mundo se encarrega de “deificar” o corpo e depreciar a alma. Bento XVI nos motiva afirmando que a dignidade e grandeza humana está em ambas as realidades que formam uma só substância: “Se o homem pretender ser só espírito e quiser desprezar a carne como se fosse uma herança meramente animal, espírito e corpo perderiam sua dignidade. Se, ao contrário, repudia o espírito e leva em consideração somente a matéria, o corpo, como uma realidade exclusiva, reduz igualmente sua grandeza”2.

O celibato não é uma negação, senão uma escolha livre, ativa e frutífera. É um grande “SIM”. Por isso, não se deve confundi-lo com a continência, visto que não se trata de um simples “conter”, mas, sim, uma opção livre por um bem maior. A continência, vista objetivamente, pode ser praticada por qualquer pessoa, inclusive por um não crente. Todavia, o celibato, na perspectiva cristã, é um meio de santificação, que só é possível ser assumido com uma ajuda sobrenatural da graça, e que sempre se opta livremente por um bem maior e transcendente: o Reino dos Céus.

Na antiguidade havia homens (eunucos) que se dedicavam completamente ao serviço de seus senhores e a estes, Nosso Senhor Jesus Cristo fazia referência quando dizia “e há eunucos que foram feitos eunucos pelos homens”3. Nosso Senhor, no entanto, inaugura um novo celibato, repleto de esplendor e liberdade, livre de toda escravidão anterior e em vistas da glória futura, dizendo “também há eunucos que a si mesmos se fizeram eunucos por causa do Reino dos Céus”4, manifestando que se trata de um meio que se escolhe livremente e que tem um fim sobrenatural. Jesus estava totalmente consciente da rigidez desse convite e que essa realidade de vida não é fácil se o sujeito confia em suas próprias forças, e traduzindo ao nosso tempo, nos adverte o Divino Salvador “Quem puder entender, que entenda!”5.

A doutrina da Igreja, no Concílio Vaticano II, canta um verdadeiro louvor ao celibato, denominando-o de “dom precioso da graça divina dado a alguns pelo Pai”6, “sinal e estímulo do amor”7 e “símbolo especial dos benefícios celestiais”. Isto é sinal de que a Igreja sempre tem tido grande estima acerca do dom do celibato, exigindo-o explicitamente aos sacerdotes de rito latino desde o século IV, e no oriente é exigido aos monges e os candidatos ao episcopado. E é essencial deixar claro que o celibato não tem somente um fim prático, como muitos poderiam crer.
Para que o celibato?

b) O celibato permite entregar-se e servir a Deus com um coração indiviso. Este dom celestial permite, àquele que o vivencia como um dom precioso, ser um sinal da vida futura, uma presença escatológica já em nosso tempo. O celibato é viver como estivéssemos já no céu. É trazer o céu ao nosso tempo, vivido em nossa natureza completa, em corpo e alma.

Esse convite de Cristo a uma vida celibatária é um desafio para elevar o amor humano e a descobrir novas maneiras de demostrar e encarnar esse amor escatológico. Não podemos reduzir o amor verdadeiro à relação sexual somente, pois o amor é muito mais que a união corporal. De fato, atualmente, somos testemunhas de como o amor e o ato sexual tem sido absolutamente dissociados um do outro, rebaixando a dignidade deste ato sublime e procriador a um entretenimento banal e superficial. Inclusive, dentro da mesma Igreja, podemos encontrar alguns membros que reduzem o celibato à castidade e à negação das relações sexuais, quando, na verdade, a castidade e o celibato envolvem e são envólucros da pessoa em sua totalidade, em cada um de seus atos.

Hoje em dia a Igreja se encontra “em débito” sobre o tema do celibato laical. No documento Lumen Gentium, do Concílio Vaticano, ele é colocado na mesma categoria da viuvez. No entanto, a cada dia, a Igreja toma mais consciência de que a vida celibatária é uma vocação particular e não imposta por circunstâncias distintas. Não são todos os homens que são chamados à vida matrimonial e à vida consagrada e, não por isso, estes permanecem numa lacuna vocacional. Na atualidade, há muitas pessoas que decidem viver uma vida de celibato no meio do mundo, cooperando com as tarefas da Santa Mãe Igreja e vivendo uma vida de santidade plena inseridos em seus afazeres diários. Sinal dessa realidade é que em alguns novos movimentos da Igreja estão abertos à possibilidade de que leigos optem pela vida celibatária sem deixar de ser leigos. Esses leigos celibatários desejam santificar-se sem outra consagração além do Batismo, que já é, por si, uma grande responsabilidade.

Por que o celibato?

Cristo, ao ser celibatário, nunca renuncia seu ser masculino, a ser um homem verdadeiro e completo em todos os sentidos. 

c) Poderíamos nos perguntar, por que o celibato? A resposta pode ser somente uma: Porque Jesus Cristo, nosso modelo de santidade e único mediador, foi celibatário. Obviamente, nem todos são chamados a seguir a Cristo nesse estilo de vida. Logo, se nem todos são chamados à vida de celibato, é porque é um chamado particular. E se é particular, então recebe graças especiais para ser vivido, as quais se chamam graças de estado. Tudo isso indica que o celibato é uma verdadeira vocação particular. Alguns poderiam dizer que “Nosso Senhor Jesus Cristo era Deus e, por isso, conseguia viver o celibato”, mas aqueles que fazem essa afirmação esquecem que Ele assumiu a natureza humana em sua totalidade, uma masculinidade íntegra e totalmente ordenada segundo a graça. Por esse motivo que Jesus Cristo revela o homem ao próprio homem8, já que é igual a nós em tudo, menos no pecado. Nesse sentido, a virgindade e o celibato de maneira alguma rebaixam a natureza humana, da qual Cristo é o modelo pleno, mas, em contrapartida, elevam-na a um nível muito mais profundo e transcendente. É muito importante destacar que a vida de celibato não significa a renúncia da masculinidade (ou da feminilidade), pelo contrário, significa torná-la sobrenatural, do mesmo modo que o fez o filho de Deus. Cristo, ao ser celibatário, nunca renuncia seu ser masculino, a ser um homem verdadeiro e completo em todos os sentidos. É necessário reafirmar essa verdade sobre a masculinidade de Cristo contra todas aquelas falsas teologias que se dedicam a diminuir a importância dessa realidade. Cristo não é um ser etéreo e assexuado, mas um Deus que se fez HOMEM9.

A quem o celibato é destinado?

d) Definitivamente o celibato não é somente para os sacerdotes consagrados. Inclusive, nem sequer é exigido para todos os clérigos do rito oriental. E, além disso, existe o testemunho de tantos consagrados que se santificam por meio dos conselhos evangélicos e que não são sacerdotes. Mas, a questão que se aplica é: pode um leigo viver o celibato e receber a graça para isso? A resposta é SIM, mesmo que para aos olhos do mundo seja impossível e o celibato pareça uma doutrina medieval. Um leigo também pode ser chamado a servir a Deus com um coração indiviso; ele também pode ser chamado a ser um sinal escatológico e, mais ainda, todos os leigos são chamados a imitar Jesus Cristo, mas alguns de uma maneira especial, vivendo sua dimensão celibatária.

Desde o início dos tempos da Igreja já existia o celibato leigo, não é uma “novidade” do Concílio Vaticano II. São Paulo já revelava isso na Primeira Carta aos coríntios, quando afirmava: “Portanto, o que se casa com sua noiva, o faz bem. E o que não se casa, faz melhor. A mulher está ligada a seu marido enquanto vive; mas, uma vez que o marido morre, fica livre para casar-se com quem desejar, mas só no Senhor. Será feliz se permanece assim segundo o meu conselho; que também eu creio ter o Espírito de Deus”10.

O celibato leigo era praticado na igreja primitiva, tanto no caso de homens quanto no de mulheres. Os homens eram chamados de “continentes” e “ascetas”, as mulheres que viviam esse conselho evangélico eram conhecidas por “virgens”.

São Paulo diz “Aquele que não é casado se preocupa com as coisas do Senhor, de como agradar ao Senhor. O casado se preocupa com as coisas do mundo, em como agradar sua mulher; está, portanto, dividido. A mulher não casada, o mesmo que a donzela, se preocupa com as coisas do Senhor, de ser santa no corpo e no espírito. Mas a casada se preocupa com as coisas do mundo, em como agradar seu marido”11.

Nesses textos não se pretende pronunciar uma condenação contra o estado conjugal, longe disso. Devemos recordar que no mesmo texto, São Paulo compara o matrimônio ao amor de Cristo pela Igreja e ressalta, desse modo, a indissolubilidade do matrimônio.

Em todos os tempos o celibato tem sido causa de crítica, escândalo e incompreensões. E, diante disso, a Igreja tem sido obrigada a armar-se e a defender excelência desse estado de vida eleito tanto por consagrados como por leigos12. De maneira alguma se deseja aqui obscurecer e tirar o valor do matrimônio, somente pretendemos transmitir o ensinamento bimilenar e plurissecular da Igreja, mãe e mestra, que nos recorda no Catecismo: “Essas duas realidades, o sacramento do matrimônio e a virgindade pelo reino de Deus, provém do próprio Senhor, é Ele quem lhes dá sentido e lhes concede a graça indispensável para que os viva de acordo com a Sua vontade. O apreço da virgindade pelo reino e o sentido cristão do matrimônio são inseparáveis e se apoiam mutuamente”.

O celibatário não é um “solteirão”, nem é alguém incapaz para uma relação matrimonial ou para o sexo. Exatamente o oposto, é alguém que alcançou um nível de maturidade emocional, psicológica e espiritual que o levou a discernir que não é chamado à vida matrimonial e, em alguns casos, tampouco, à vida consagrada. É alguém chamado a viver o amor e a fecundidade de uma maneira sobrenaturalmente diferente do matrimônio, sem negar sua própria sexualidade, elevando seus afetos ao mandato evangélico que exorta a “Ter os mesmos sentimentos de Cristo Jesus”.

***
Em nosso tempo, devemos ser rebeldes. A melhor maneira de viver essa rebeldia é por meio de uma vida virtuosa. 

Créditos: http://www.brav.us/2016/08/a-vocacao-ao-celibato-a-masculinidade-transcendente/

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017

A dúvida respondida por São João Paulo II

Na primeira metade de seu pontificado, devido a sérias controvérsias suscitadas na Igreja, São João Paulo II se viu obrigado a confirmar a Tradição católica de não ordenar mulheres.




Depois dos agitados anos 1960, quando a Igreja também se viu questionada pelas revoluções mundo afora, o problema relativo à ordenação de mulheres já não era uma novidade para os teólogos. O tema estava entre os principais assuntos discutidos nas academias, sobretudo após a iniciativa dos anglicanos de incluírem entre os seus sacerdotes também as mulheres. Foi aí que o então Sumo Pontífice Paulo VI, exercendo o ministério petrino de confirmar os irmãos na fé, publicou a Declaração Inter Insigniores, com a qual dirimia qualquer dúvida acerca da Tradição católica. A Igreja "não se considera autorizada a admitir as mulheres à ordenação sacerdotal", explicou o Santo Padre na época. Todavia, o debate estava longe de acabar ali.

As discussões continuaram a fervilhar nos anos seguintes com cada vez mais veemência e caráter reivindicatório. A seu favor, os defensores das ordenações femininas argumentavam que a decisão de Jesus de escolher apenas homens para o ministério apostólico baseava-se somente em um contexto sociológico e que, por isso, tal decisão seria disciplinar, como no caso do celibato dos padres. Ao contrário da doutrina, que não pode ser contestada pelo fiel católico, a disciplina, embora deva ser obedecida enquanto estiver em vigor, pode ser ab-rogada. E era esse o desejo deles.

Em 1978, assume o trono de São Pedro o cardeal polonês Karol Wojtyla. É durante o seu governo que o Papa será desafiado a dar uma resposta definitiva para a questão. O estopim da queda de braço ocorreu nos Estados Unidos, em 1979, na Catedral de Washington. Na ocasião, a irmã Therese Kane, então presidente da US Leadership of the Women Religious, havia sido escolhida para representar as freiras no encontro com o Santo Padre. Foi durante a sua fala que ela explodiu a bomba:
"Nós temos ouvido a poderosa mensagem de nossa Igreja, dirigida à dignidade e à reverência de todas as pessoas [...]. A Igreja deve responder oferecendo a possibilidade de as mulheres, como pessoas, serem incluídas em todos os ministérios."

A mensagem da irmã Therese Kane ganhou o mundo e não podia passar despercebida dentro dos círculos católicos. Apesar do constante ensinamento do Magistério sobre o assunto, a força daquele gesto desencadeou uma nova onda de discussões que exigiram do Papa uma posição inequívoca. E foi o que ele fez, já mesmo na ocasião da visita aos Estados Unidos, explicando repetidas vezes que a Igreja não possuía a faculdade de ordenar mulheres. "Chamando só homens como seus apóstolos, Cristo agiu de maneira totalmente livre e soberana. Fez isto com a mesma liberdade com que, em todo o seu comportamento, pôs em destaque a dignidade e a vocação da mulher", explicou novamente o Santo Padre, agora em 1988, na Carta Apostólica Mulieris Dignitatem (n. 26).No mesmo documento, São João Paulo II ainda esclareceu que:
"Se Cristo, instituindo a Eucaristia, a ligou de modo tão explícito ao serviço sacerdotal dos apóstolos, é lícito pensar que dessa maneira ele queria exprimir a relação entre homem e mulher, entre o que é 'feminino' e o que é 'masculino', querida por Deus, tanto no mistério da criação como no da redenção. É na Eucaristiaque, em primeiro lugar, se exprime de modo sacramental o ato redentor de Cristo Esposo em relação à Igreja Esposa. Isto se torna transparente e unívoco, quando o serviço sacramental da Eucaristia, no qual o sacerdote age 'in persona Christi', é realizado pelo homem. É uma explicação que confirma o ensinamento da Declaração Inter Insigniores, publicada por incumbência do Papa Paulo VI para responder à interrogação sobre a questão da admissão das mulheres ao sacerdócio ministerial."

A intervenção clara de São João Paulo II serviu para tranquilizar "muitas consciências que, em boa fé, se deixaram agitar talvez não tanto pela dúvida, como pela insegurança. Elas "encontraram a serenidade graças ao ensinamento do Santo Padre", como observaria o cardeal Ratzinger anos depois.

Por outro lado, algumas oposições ao ensinamento constante do Magistério ordinário da Igreja não cessaram e se fizeram ainda mais atrevidas, chegando ao cúmulo de ordenações clandestinas. O desafio estava lançado à Santa Sé e São João Paulo II não o deixaria sem resposta. No dia 22 de maio de 1994, data em que se celebrava a Solenidade de Pentecostes, o Santo Padre mandou publicar a Carta Apostólica Ordinatio Sacerdotalis:
"Portanto, para que seja excluída qualquer dúvida em assunto da máxima importância, que pertence à própria constituição divina da Igreja, em virtude do meu ministério de confirmar os irmãos (cf. Lc 22, 32), declaro que a Igreja não tem absolutamente a faculdade de conferir a ordenação sacerdotal às mulheres, e que esta sentença deve ser considerada como definitiva por todos os fiéis da Igreja." (grifos nossos)

A definição de São João Paulo II, apesar de clara, ainda foi objeto de dúvidas entre alguns prelados e fiéis. Questionava-se se a declaração possuía caráter dogmático. Em forma de dubium, chegou à Congregação para a Doutrina da Fé a seguinte questão: "Se a doutrina, segundo a qual a Igreja não tem faculdade de conferir a ordenação sacerdotal às mulheres, proposta como definitiva na Carta Apostólica Ordinatio sacerdotalis, deve ser considerada pertencente ao depósito da fé." A resposta da mesma congregação foi: "Afirmativa". Roma locuta!

Toda esta controvérsia nos ensina como a Igreja costuma usar o instrumento do dubium (plural dubia) para esclarecer alguma dificuldade interpretativa que possa surgir de um documento magisterial. Ensinar com clareza o caminho de Deus é um grande ato de misericórdia e de caridade para os fiéis. Afinal, não há nada mais importante para as ovelhas do que ouvir, com clareza, a voz do bom pastor e dele receber a vida eterna.

Por Equipe Christo Nihil Praeponere
Fonte: Padrepauloricardo.org

Fuga da ociosidade - Santo Afonso Maria de Ligório


É preciso notar aqui que é um engano acreditar que o trabalho é nocivo à saúde do corpo, quando é certo que o exercício corporal ajuda muito a conservar a saúde.

Muitas vezes o que faz apresentar escusas do trabalho, não é tanto o perigo da saúde, mas o peso e fadiga que o acompanham e que desejamos evitar. Ah! Quem lançar os olhos no Crucifixo, não andará esquivando-se dos trabalhos. — Um dia, Sór Francisca do Santo Anjo, Carmelita, se lamentava de ter as mãos todas dilaceradas de tanto trabalhar, e Jesus Crucificado lhe respondeu: Francisca, olha as minhas mãos e depois lamenta-te. 

Além disso, o trabalho é um remédio contra os enfados de solidão, e também contra as numerosas tentações que muitas vezes assaltam os solitários. — Sto. Antão abade achava-se um dia muito atormentado de pensamentos desonestos e ao mesmo tempo muito fatigado da solidão: não sabia o que fazer para se aliviar. Apareceu-lhe então um anjo, que o conduziu ao pequeno jardim que havia ali perto; e, tomando uma enxadinha, começou a lavrar a terra, e, em seguida, se pôs a orar. De novo, principiou a trabalhar e depois tornou a orar. Com isto, ensinou ao santo o modo como havia de conservar a solidão e ao mesmo tempo livrar-se das tentações, passando da oração ao trabalho, e do trabalho a oração. Não se deve trabalhar sempre, mas também não se pode orar sempre, sem se arriscar a perder a cabeça, e se tornar depois absolutamente inútil para todos os exercícios espirituais. — É por isso que Sta. Teresa, depois de sua morte, apareceu à Sór Paula Maria de Jesus e lhe recomendou que nunca abandonasse os exercícios corporais sob pretexto de fazer obras mais santas, assegurando-lhe que tais exercícios aproveitam muito para a salvação eterna. 

De outra parte, os trabalhos manuais, quando se fazem sem paixão e sem inquietação, não impedem de fazer oração. — Sor Margarida da Cruz, arquiduquesa de Áustria e religiosa descalça de Sta. Clara, se dedicava aos ofícios mais trabalhosos do mosteiro, e dizia que, entre outros exercícios, o trabalho não é somente útil às monjas, mas também necessário, visto que não impede o coração de se elevar para Deus.

Narra-se que S. Bernardo, um dia vendo um monge que não deixava de orar enquanto trabalhava, disse-lhe: “Continua, meu irmão, a fazer sempre o que fazes agora, e alegra-te, porque, deste modo, quando morreres, serás livre do purgatório”. O mesmo santo seguia esta prática como refere o escritor de sua vida; pois, não descuidava dos trabalhos exteriores e ao mesmo tempo se recolhia todo em Deus.

Santo Afonso de Ligório no livro: A Verdadeira Esposa de Cristo.
Créditos: Modéstia Masculina São José

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

Aparecida, uma devoção genuinamente popular


Nossa Senhora da Conceição Aparecida é um farol luminoso sobre a altíssima vocação do povo brasileiro: a vocação à santidade.


No chamado prólogo do Evangelho de São João, o apóstolo amado faz a seguinte afirmação acerca dos seguidores de Cristo: "Mas a todos aqueles que o receberam, aos que crêem no seu nome, deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus, os quais não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas sim de Deus" (Jo 1, 12-13). Nestas palavras acertadas do evangelista, alguns teólogos viram, com razão, o fundamento para a fé na virgindade perpétua de Maria e na sua imaculada conceição [1]. De fato, Jesus, o primogênito de Deus, não nasceu do sangue de Maria, nem da vontade de sua carne, mas sim de um desígnio todo espiritual da vontade salvífica de Deus.

A piedade popular, "verdadeira expressão da atividade missionária espontânea do povo de Deus", soube acolher esses privilégios de Nossa Senhora, celebrando-os, ao longo da história da Igreja, de modos variados e singelos [2]. No Brasil, isso se torna particularmente evidente no belíssimo testemunho dos romeiros de Nossa Senhora da Conceição Aparecida, título concedido à pequena imagem milagrosa da Virgem Maria, cujo tricentenário de sua descoberta por três simples pescadores, em 1717, comemora-se neste ano. Com essa santa devoção, os brasileiros exprimem a sua total confiança na intercessão da Virgem Santíssima, de quem o povo desta terra é especial devedor.

A devoção à Mãe Aparecida é genuinamente popular. Ela não se origina em uma aparição mística de Maria, como em Lourdes ou em Fátima, mas do amor e da confiança filial de pobres devotos. Como expressou-se o papa São João Paulo II na sua primeira visita ao Brasil, "os templos materiais aqui erguidos são sempre obra e símbolo da fé do povo brasileiro e do seu amor para com a Santíssima Virgem" [3]. Não se trata de uma demonstração ostentosa de poder; trata-se, antes, de uma resposta ao auxílio perpétuo da Virgem Maria a esta nação.

E é desse testemunho de fidelidade que se pode colher a mensagem de Nossa Senhora ao Brasil. Embora ela não tenha se manifestado por meio de uma visão mística, manifestou-se, porém, nos inúmeros favores que há 300 anos ela concede aos seus filhos brasileiros. Isso exige, por sua vez, uma atitude de conversão e de penitência, como nas outras devoções marianas. Em Fátima ou em Aparecida, o papel da Virgem Maria na Igreja sempre será o de cooperadora na salvação dos homens; ela "nos aponta as vias da Salvação, vias que convergem todas para Cristo, seu Filho, e para a sua obra redentora" [4].

A Igreja sempre entendeu a piedade popular como "uma certa sede de Deus, que somente os pobres e os simples podem experimentar" [5]. Aí está a razão de a Virgem Santíssima apresentar-se no Brasil por meio da imagem que hoje veneramos. Ela quis despertar no peito do próprio camponês essa sede mais intensa, essa consciência de que, sem a presença de Cristo em nossas vidas, nada podemos fazer, senão pecar e destruir. Nossa Senhora da Conceição Aparecida é um farol luminoso sobre a altíssima vocação do povo brasileiro: a vocação à santidade.

Com efeito, não podemos deixar de mencionar os inúmeros perigos que rondam a fé do povo brasileiro e põem em xeque essa sua vocação à santidade. De muitos modos, o inimigo de Jesus e de Maria procura falsear a genuína fé católica, promovendo sincretismos nocivos, que descaracterizam o verdadeiro culto mariano. Ao mesmo tempo, o avanço agressivo das seitas procura afugentar os fiéis do colo de Maria, conduzindo-os a uma falsa teologia da prosperidade, que barateia o Evangelho de Cristo com promessas de bem-estar econômico. Foi pensando nisso que São João Paulo II chamou a atenção dos bispos para protegerem a piedade popular dos brasileiro: "Estou certo de que os Pastores da Igreja saberão respeitar esse traço peculiar, cultivá-lo e ajudá-lo a encontrar a melhor expressão, a fim de realizar o lema: chegar 'a Jesus por Maria'" [6].

Desde o início da devoção à Mãe Aparecida, o traço característico mais marcante dos romeiros era a recitação conjunta do rosário. Do mais simples ao mais nobre, todos se curvavam perante a imperatriz do Brasil para rezar piedosamente o Santo Terço. Nas aparições em Lourdes e em Fátima, por sua vez, é justamente a récita diária do Rosário a oração recomendada pela Virgem aos pequenos videntes. Percebe-se, portanto, o quão necessária é essa oração tradicional para a conversão das almas. Nossa Senhora não insistiria tanto neste ponto se não fosse algo de especial importância. Nesta ocasião dos 300 anos, temos de repetir a súplica do papa São João Paulo II: "Quem dera renascesse o belo costume – outrora tão difundido, hoje ainda presente em algumas famílias brasileiras – da reza do terço em família" [7].

Ninguém pode negar o estado de calamidade no qual se encontra o Brasil. É chegada a hora, destarte, de voltarmos nossos olhares para a Senhora Aparecida e suplicarmos a tão urgente conversão de nosso país. Ela também deseja que seu Coração Imaculado triunfe nestas terras de Santa Cruz!

Por Equipe Christo Nihil Praeponere

Referências
Cf. Introdução ao Evangelho de São João. BÍBLIA. Português. Bíblia Sagrada: Santos Evangelhos. Trad. de José A. Marques. Braga: Edições Theologica, 1985.
Papa Francisco, Exortação Apostólica Evangelii Gaudium, 24 de nov. 2013, n. 122.
São João Paulo II, Homilia, 4 de jul. 1980.
Ibidem.
Papa Paulo VI, Exortação Apostólica Evangelii Nuntiandi, 8 de dez. 1975, n. 48.
São João Paulo II, Homilia, 4 de jul. 1980.
Ibidem.

Padre Paulo Ricardo - Memória de São João Bosco, presbítero


Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...